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Seja Bem-Vindo(a)!

domingo, 31 de agosto de 2014

Voltando pra casa

   No atravessar o espaço em direção ao banheiro, uma imagem fere sua retina. Para com o pé direito suspenso entre o prosseguir e o voltar, mas um quase nada basta para que se decida. Meio passo de marcha à ré, um giro de 45 graus à direita e está frente a frente com Maria Emília.
   Diante do espelho de vidro biseauté, reconhece-se.
   Lábios pálidos, ainda sem o batom vermelho que passou a usar depois dos 40. Cabelo insone, da cor e corte sugeridos - “castanho claro dourado repicado em dégradé suaviza esse rosto quadrado e combina com a cor da sua pele”, afirmara o cabeleireiro. Nariz aquilino, herança das invasões bárbaras na descendência dos Almeidas. Sobrancelhas com falhas e alguns fios brancos que teimam em se destacar. Leve flacidez da pele ao redor da boca. Fragilidade no olhar azul, marcado de zelos.
- Mãe, onde você guardou minha saia jeans, aquela com a barra desfiada?
- Mãe, o paletó azul-marinho já voltou da lavanderia?
- Querida, que horas são?
   A voz dos filhos e do marido a fazem despertar. Sente cheiro de leite derramado e de café coado. Já são sete horas, de um dia que não será como outro qualquer. “Santo Expedito, me ajude”, pede ao ungido de sua devoção.
   Entra no banheiro e começa a se despir. Outra vez, um espelho. Cruel e devastador como um inimigo, sobre a pia, por toda a parede, encimado por mil lampadinhas de camarim.
   Desabotoa a camisa do pijama de flanela. Despida da cintura para cima, seminua, Maria Emília e seu corpo se defrontam.
   Sobre a magra caixa torácica, os seios, decompostos em mamas, já não são nem firmes nem cheios. A calça do pijama desliza em direção ao chão.
   No púbis, recoberto por rala plumagem, uma cicatriz. O recorte horizontal de uma cesariana, no limite superior, formando o lado maior do triângulo. “Os gêmeos nasceram com três quilos cada e a termo”, gostava de contar.
- Dona Emília, preciso de dinheiro pra comprar a mistura do almoço.
- Pode deixar que eu vou ao supermercado, Jandira.
   Se veste rapidamente. Sai sem ninguém a ver. E sorri para Maria Emília no espelho do elevador.
  Entra no carro e acelera em direção ao passado.
- Mal de Alzheimer. Ela não deve mais sair ou ficar sozinha. Em pouco tempo, nem vai saber que você é a filha.
   As palavras do médico lhe deram o conforto de não precisar mais fingir que a amava.
   O dinheiro da aposentadoria seria suficiente para pagar uma casa de repouso. Iria vê-la uma vez por semana, por quinze minutos, quando tanto. Abreviaria a visita incômoda ou por causa do marido, dos filhos, ou do trabalho. Não teriam muito o que se dizer. Nem nunca tiveram.
   Naquele dia, a mãe lhe parecera envelhecida. Tivera o desejo de abraçá-la, como no tempo em que se é apenas filha. Foi quando seu olhar a encontrou. “Maria Emília, vamos pra casa?” A enfermeira entrara no quarto. Era a hora do banho. Não precisou responder, carecia de respostas.
   A casa de repouso ainda esta às escuras. Estaciona o carro e se apressa.
- Que aconteceu, dona Maria Emília? Aqui, tão cedo!
- Posso ver minha mãe?
   A porta do quarto está entreaberta. Ela ainda dorme. Se debruça e, bem baixinho, para não assustá-la, responde: “Sim, mãe, vamos pra casa”. - LIC, ago. 2003.

sábado, 30 de agosto de 2014

Libertação

   É triste comprovar como se sofre, como se luta, como se forjam tantas espadas e se rompem tantas lanças pela aparência efêmera de um nome que, afinal, não é a verdade da pessoa.
   Porque o importante, para a maioria dos mortais, não é realizar-se, mas que os outros os vejam realizados. O que chamam de realização não é a produtividade efetiva e objetiva, mas o fato de que a opinião pública os considere triunfantes e campeões. Cavalgamos o potro da mentira e vamos galopando por mundos irreais, temerosos e ansiosos. Da mentira da vida, livrai-nos, Senhor! - Ignacio Larrañaga, Suba Comigo 2011, p. 79.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

As obsessões

   A religião, principalmente se está alicerçada na culpa e no temor, é uma das fontes mais profundas de obsessão e angústia. - Ignacio Larrañaga, Sofrimento e Paz 2013, p. 63.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Você já pensou nisto?

Se você escrevesse sua autobiografia, qual seria o título?

Da derrota à vitória

   Esta é a pergunta transcendente: “Como enfrentar o fracasso?”. Diante da derrota, é preciso tomar a atitude cética de quem diz: “No fim, é tudo a mesma coisa; nada importa”. Também é preciso tomar outra atitude, a da esperança, que diz assim: “Vamos começar outra vez; amanhã será melhor”. E, no decurso dos anos, a esperança dará à luz duas filhas, que se chamam paciência e perseverança. - Ignacio Larrañaga, As Forças da Decadência 2005, p. 67.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Entregar-se

   Crer é confiar. Crer é permitir. Crer, principalmente, é aderir, entregar-se; numa palavra, crer é amar. Que vale um silogismo intelectual se não atinge nem compromete a vida? É como uma partitura sem melodias. - Ignacio Larrañaga, O Silêncio de Maria 2012, p. 53.

sábado, 23 de agosto de 2014

Quando mais é menos

   O mundo é falaz. Falaz significa enganoso ou de verdade aparente. A verdade aparente, no fundo, é mentira. O mundo crê que um homem, na medida que mais propriedades possui mais “senhor” é. Assim, por exemplo, uma pessoa tem três fazendas, duas casas e quatro carros: é indiscutível que de quanto mais posse dispõe, em mais regiões ou territórios pode exercer o senhorio, mais “senhor” é. Isto é verdade, mas uma verdade aparente.
   A verdade, no fundo, é outra, e oposta: quanto mais propriedades tem, mais atado está, menos livre é, menos “senhor”, porque cada propriedade que se sente ameaçada reclamará com o proprietário, gritando-lhe: “defenda-me!”. O proprietário se perturbará e a perturbação é um conjunto de energias defensivo-agressivas liberadas para a defesa das propriedades ameaçadas.
   É evidente que quando aqui falamos de propriedades, estamos falando de apropriação, nos referimos ao fato de tornar “meu”, “para mim” qualquer bem.
   Portanto, um homem, quanto mais propriedades possui, mais ameaçado vai se sentir e, por conseguinte, mais agressivo, mais temeroso, menos livre, menos “senhor”. - Ignacio Larrañaga, Transfiguração 2012, pp. 86-87.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Quando o pó assenta...

   Deus não pode entrar nos castelos levantados sobre dinheiro, poder e glória. Quando tudo dá certo na vida, o ser humano tende insensivelmente a concentrar-se em si mesmo – grande desgraça, porque se apodera dele o medo de perder tudo e vive ansioso, sentindo-se infeliz. Para o homem, a desinstalação é justamente a salvação.
   Por isso, se Deus Pai quer salvar seu filho aninhado e adormecido no leito da glória e do dinheiro, não tem outra saída senão dar-lhe uma boa sacudidela. Quando o mundo naufraga, fica flutuando uma poeira espessa que deixa o filho confuso. Mas, quando o pó assenta, o filho pode abrir os olhos, despertar, ver a realidade clara e sentir-se livre. - Ignacio Larrañaga, O Irmão de Assis 2012, p. 13.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Desperte!


   É hora de acordar.
   É indispensável viver alerta e dar-se conta de que é uma insensatez remexer arquivos que contêm histórias irremediavelmente mortas.
   "Água que não hás de beber deixe-a correr”, diz o ditado. - Ignacio Larrañaga, A Arte de Ser Feliz 2012, p. 57

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O caminho, a verdade, a vida

Caminante, son tus huellas / el camino y nada más;
Caminante, no hay camino, / se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino, / y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino / sino estelas en la mar.

autógrafo Proverbios y Cantares                                                                                                           



terça-feira, 19 de agosto de 2014

A magia do amor

   Aqui está o segredo, lhes disse Francisco: “O bandoleiro é um enfermo de amor”. E lhes disse: “Repartam um pouco de pão e um pouco de carinho pelo mundo e já poderão fechar todos os cárceres”. - Ignacio Larrañaga, Cartas Circulares 2005, Circular nº 11 nov. 1998, p. 134.

domingo, 17 de agosto de 2014

A ilusão de uma imagem



Vik MUNIZ | Narciso | 1961

A maior parte das tristezas íntimas do ser humano e de suas dificuldades nas relações interpessoais nascem da imagem que projetamos (de nós mesmos), cultivamos, alimentamos, servimos e adoramos. Essa é a principal fonte das frustrações interiores e das colisões fraternas.
   Parece demência ou alienação. Mas é assim mesmo que se vive: vive-se entre o desejo e o temor. A metade da vida, o ser humano luta na ofensiva para dar à luz, alimentar e “engordar” (inflar) a imagem de si mesmo (prestígio pessoal, popularidade); e, na outra metade, luta na defensiva, presa de temor, para não perder o prestígio. - Ignacio Larrañaga, Suba Comigo 2011, pp. 64-65.

sábado, 16 de agosto de 2014

A pedagogia divina

   Não há outro caminho: para participar da onipotência divina é preciso começar experimentando a impotência humana. - Ignacio Larrañaga, Salmos para a Vida 2013, p. 30.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Pra alegrar o Céu, "Que o Céu tá muito sisudo"

A chegada de Ariano Suassuna no céu
Autores: Klévisson Viana e Bule-Bule

Nos palcos do firmamento
Jesus concebeu um plano
De montar um espetáculo

Para Deus Pai Soberano
E, ao lembrar de um dramaturgo,
Mandou buscar Ariano.

Jesus mandou-lhe um convite,
Mas Ariano não leu.
Estava noutro idioma,
Ele num canto esqueceu,
Nem sequer observou
Quem foi que lhe escreveu.

Depois de um tempo, mandou
Uma segunda missiva.
A secretária do artista
Logo a dita carta arquiva,
Dizendo: — Viagem longa
A meu mestre não cativa.
Jesus sem ter a resposta
Disse torcendo o bigode:
— Eu vejo que Suassuna
É teimoso igual a um bode.
Não pode, mas ele pensa
Que é soberano e pode!
Jesus, já perdendo a calma,
Apelou pra outro suporte.
Para cumprir a missão,
Autorizou Dona Morte:
— Vá buscar o escritor,
Mas vê se não erra o corte!

A morte veio ao País
Como turista estrangeiro,
Achando que o Brasil
Era só Rio de Janeiro.
No rastro de Suassuna,
Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.

Porém, antes de encontrá-lo,
Sofreu um constrangimento,
Passando em Copacabana,
Um malfazejo elemento
Assaltou ela levando
Sua foice e documento.

A morte ficou sem rumo
E murmurou dessa vez:
— Pra não perder a viagem
Vou vender meu picinez
Para comprar outra foice
Na loja de algum chinês.

Por um e noventa e nove
A dita foice comprou.
Passando a mão pelo aço,
Viu que ela enferrujou
E disse: — Vai essa mesma,
Pois comprar outra eu não vou!

A morte saiu bolando,
Sem direção e sem tino,
Perguntando a um e a outro
Pelo escritor nordestino,
Obteve informação,
Gratificando um menino.

Ao encontrar João Ubaldo,
Viu naufragar o seu plano,
Se lembrando da imagem
Disse: — Aqui há um engano.
Perguntou para João
Onde é que estava Ariano.

Nessa hora João Ubaldo,
Quase ficando maluco,
Tomou um susto arretado,
Quando ali tocou um cuco,
Mas, gaguejando, falou:
—Ele mora em Pernambuco!

A morte disse: — Danou-se
Dinheiro não tenho mais
Para viajar tão longe,
Mas Ariano é sagaz.
Escapou mais uma vez,
Vai você mesmo, rapaz!

Quando chegou lá no Céu
Com o escritor baiano,
Cristo lhe deu uma bronca:
— Já foi baldado o meu plano.
Pedi um da Paraíba
E você trouxe um baiano.


João Ubaldo é talentoso,
Porém não escreve tudo.
“Viva o Povo Brasileiro”
É sua obra de estudo,
Mas quero peça de humor,
Que o Céu tá muito sisudo.

Foi consultar os arquivos
Pra ressuscitar João,
Mas achou desnecessário,
Pois já era ocasião
Pra ele vir prestar contas
Ali na Santa Mansão.

Jesus olhou para a Morte
E disse assim: — Serafina,
Vejo não és mais a mesma.
Tu já foste mais malina,
Tá com pena ou tá com medo,
Responda logo, menina?!
— Jesus, eu vou lhe falar
Que preciso de dinheiro.
Ariano mora bem
No Nordeste brasileiro.
Disse o Cristo: —Tenho pressa,
Passe lá no financeiro!

— Só faço que é pra o Senhor.
Pra outro, juro não ia.
Ele que se conformasse
Com o escritor da Bahia.
Se dependesse de mim,
Ariano não morria.

A morte na internet
Comprou passagem barata.
Quase morria de susto
Naquela viagem ingrata.
De vez em quando dizia:
— Eita que viagem chata!

Uma aeromoça lhe trouxe
Duas barras de cereais.
Diz ela: — Estou de regime.
Por favor, não traga mais,
Porque se vier eu como,
Meu apetite é voraz!

Quando chegou no Recife,
Ficou ela de plantão
Na porta de Ariano
Com sua foice na mão,
Resmungando: — Qualquer hora
Ele cai no alçapão!

A morte colonizada,
Pensando em lhe agradar,
Uma faixa com uma frase
Ela mandou preparar,
Dizendo: “Welcome Ariano”,
Mas ele não quis entrar.

Vendo a tal faixa, Ariano
Ficou muito revoltado.
Começou a passar mal,
Pediu pra ser internado
E a morte foi lhe seguindo
Para ver o resultado.


Eu não sei se Ariano
Morreu de raiva ou de medo.
Que era contra estrangeirismos,
Isso nunca foi segredo.
Certo é que a morte o matou
Sem lhe tocar com um dedo.

Chegou no Céu Ariano,
Tava a porta escancarada.
São Pedro quando o avistou
Resmungando na calçada,
Correu logo pra o portão,
Louvando a sua chegada.

Um anjinho de recado
Foi chamar o Soberano,
Dizendo: – O Senhor agora
Vai concretizar seu plano.
São Pedro mandou dizer
Que aqui chegou Ariano.

Jesus saiu apressado,
Apertando o nó da manta
E disse assim: — Vou lembrar
Dessa data como santa
Que a arte de Ariano
Em toda parte ela encanta.


São Pedro lá no portão
Recebeu bem Ariano,
Que chegou meio areado,
Meio confuso e sem plano.
Ao perceber que morreu,
Se valeu do Soberano.

Com um chapelão de palha
Chegou Ascenso Ferreira,
O grande Câmara Cascudo,
Zé Pacheco e Zé Limeira.
João Firmino Cabral
Veio engrossar a fileira.

E o próprio João Ubaldo
(Que foi pra lá por engano)
Veio de braços abertos
Para abraçar Ariano.
E esse falou: – Ubaldo,
Morrer não tava em meu plano!
Logo chegou Jorge Amado
E o ator Paulo Goulart.
Veio também Chico Anysio
Que começou a contar
Uma anedota engraçada
Descontraindo o lugar.
Logo chegou Jesus Cristo,
Com seu rosto bronzeado.
Veio de braços abertos,
Suassuna emocionado
Disse assim: — Esse é o Mestre,
O resto é papo furado!

Suassuna que, na vida,
Sonhou em ser imortal,
Entrou para Academia,
Mas percebeu, afinal,
Que imortal é a vida
No plano celestial.










Jesus explicou seus planos
De fazer uma companhia
De teatro e ele era
O escritor que queria
Para escrever suas peças,
Enchendo o Céu de alegria.

Nisso Ariano responde:
— Senhor, eu me sinto honrado,
Porém escrever uma obra
É serviço demorado.
Às vezes gasto dez anos
Para obter resultado.

Nisso Jesus gargalhou
E disse: — Fique à vontade.
Tempo aqui não é problema,
Estamos na eternidade
E você pode criar
Na maior tranquilidade.

Um homem bem pequenino
Com chapeuzinho banzeiro,
Com um singelo instrumento,
Tocou um coco ligeiro
Falando da Paraíba:
Era Jackson do Pandeiro.

Logo chegou Luiz Gonzaga,
Lindu do Trio Nordestino,
E apontou Dominguinhos
Junto a José Clementino
E o grande Humberto Teixeira,
Raul e Zé Marcolino.

Depois chegou Marinês
Com Abdias de lado
E Waldick Soriano,
Com um vozeirão impostado,
Cantou “Torturas de Amor”,
Como sempre apaixonado.

Veio então Silvio Romero
Com Catulo da Paixão,
Suassuna enxugou
As lágrimas de emoção.
E Catulo, com seu pinho,
Cantou “Luar do Sertão”.

Leandro Gomes de Barros
Junto a Leonardo Mota,
Chegou Juvenal Galeno,
Otacílio Patriota.
Até Rui Barbosa veio
Com título de poliglota.

Chegou Regina Dourado,
Tocada de emoção,
Juntinho de Ariano,
Veio e beijou sua mão
E disse: — Na sua peça
Quero participação.

Ariano dedicou-se
Àquele projeto novo.
Ao concluir sua peça,
Jesus deu o seu aprovo
E a peça foi encenada
Finalmente para o povo.

Na peça de Ariano
Só participa alma pura.
Ariano virou santo,
Corrigiu sua postura.
Lá no Céu ganhou o título
Padroeiro da cultura.

Os artistas que por ele
Já nutriam grande encanto
Agora estando em apuros,
Residindo em qualquer canto,
Lembra de Santo Ariano
E acende vela pro santo.

Ariano foi Quixote
Que lutou de alma pura.
Contra a arte descartável
Vestiu a sua armadura
Em qualquer dia do ano
Eu digo: viva Ariano Padroeiro da Cultura!

Salve, Ariano!


Singularidade

   As tarefas primordiais da singularidade humana são: conhecer-se a si mesmo, confiar em si mesmo, ser sincero consigo mesmo, aceitar e amar a própria estrutura da personalidade, estimar e apreciar os carismas pessoais sem cair no narcisismo, sentir-se contente e feliz de ser como se é. Em suma, fazer-se amigo de si mesmo.
   O aventurar-se em projeto matrimonial sem haver solucionado as perguntas fundamentais de sua singularidade é internar-se em selva repleta de riscos. Assim se explicam tantos fracassos. - Ignacio Larranãga, O Casamento Feliz 2001, p. 13.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O Casamento Feliz

(In) Dependência
   Duas pessoas se amam quando são capazes de viver uma sem a outra, porém optaram por viver juntas. - Ignacio Larrañaga, O Casamento Feliz 2001, p. 21.

Gostar é amar?

   Dizem os amadores: “Encanta-me sua voz”; “cativa-me seu sorriso”; “fascina-me sua aparência”.
   Porém, isso não é amor. O amor se estende e abarca a integridade da pessoa.
   Muitos identificam amar com gostar, porém não há relação um com o outro. Dizem: gosto de sua cintura, do ritmo de seu andar, do tom de sua voz. Pode nascer o amor sem que o cative nenhuma área anatômica concreta, nenhuma parte determinada da personalidade.
   O amor nasce de um momento em que o ser humano se esquece de si; é deslumbrado, “tirado” de si mesmo e cativado por outro tudo. Cresce com desejos de dar-se e se consuma no esquecimento total do prazer recíproco. - Ignacio Larrañaga, O Casamento Feliz 2001, p. 46.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

A última noite

   A vida me ensinou que o amor é a suprema energia do mundo e o princípio de toda a santidade consiste em deixar-se amar, porque somente os amados amam. - Ignacio Larrañaga, A Rosa e o Fogo 2012, p. 102.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Não dá pra continuar desse jeito

Brincar é (ainda) o melhor remédio
                                                Maria Farinha Filmes
O documentário "Tarja Branca: a revolução que faltava", de Cacau Rhoden trata de temas inquietantes da contemporaneidade a serem pensados e repensados: 
"[...] da medicalização da vida e principalmente da infância, do adormecimento de nossos afetos, do embrutecimento da vida urbana e das escolhas que temos feito enquanto sociedade que prefere comprar a brincar" (leia mais em http://outraspalavras.net/destaques/brincar-a-revolucao-que-faltava/). Assista o filme!

Infância espiritual

Quando morreu Miguel de Unamuno, entre os manuscritos encontrados sobre a mesa do seu escritório, estavam estes versos:

Alarga a porta, Pai,
porque não posso passar.
Fizeste-a para as crianças
e eu cresci, a meu pesar.

Se não me alargas a porta,
diminui-me por piedade.
Volta-me àquela idade
em que viver era sonhar! - Ignacio Larrañaga, Mostra-me o Teu Rosto 2011, p. 469.

domingo, 10 de agosto de 2014

O Pai

Os segredos mais íntimos
   Já viram alguma flor que, por ser perfumada, pede um aplauso, ou uma estrela que, por brilhar, reclame um prêmio, ou um pai que, por amar, pede reconhecimento? Amam sem esperar recompensa, porque Deus depositou no coração dos pais uma centelha de seu fogo. Pois bem, se vocês, com esse coração que não foi feito com bom fermento, mas de barro quebradiço, se vocês são capazes de comportar-se dessa maneira com seus filhos, não pensaram como há de ser o Pai? Se pensassem nisso, dormiriam seguros, despertariam felizes, e os lobos nunca rondariam sua casa. - Ignacio Larrañaga, O Pobre de Nazaré 2012, p. 128.


sábado, 9 de agosto de 2014

Comunicar-se

   A medida da maturidade conjugal é a entrega de sua riqueza interior e a participação, ao mesmo tempo, da riqueza do outro.
   Comunicação não significa, pois, conversação, intercâmbio de frases, perguntas e respostas. Nem sequer significa, exatamente, diálogo. Antes, se trata de relação, ou melhor, de revelação interpessoal. - Ignacio Larrañaga, O Casamento Feliz 2001, p. 78.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Uma porta para a espiritualidade

   Sexo e espiritualidade podem caminhar juntos?
   Neste seminário, o astrofísico brasileiro Laércio Fonseca demonstra que sim.
   Em oito palestras, de 90 min cada em média, ele trata do amor que liberta, do sexo como energia de vida, de relacionamentos sadios entre homem e mulher e como tudo isso pode fazer aflorar a espiritualidade.

Amigos para o caminho

   Não há especialista que possa salvar-me com suas análises e receitas. A “salvação” é a arte de viver, e a arte aprende-se vivendo: ninguém pode viver por mim ou no meu lugar. Não há profissional ou mestre que seja capaz de infundir no discípulo coragem suficiente para jogar-se pela ladeira da salvação; é o próprio discípulo que precisa tirar de seu fundo ancestral as energias elementares para atrever-se a enfrentar o mistério da vida com todos os seus desafios, exigências e ameaças.
   É a própria pessoa que pode e deve salvar a si mesma, para adquirir a tranquilidade da mente e o gozo de viver. Para isso, tem que começar acreditando em si mesma e tomando consciência que todo ser humano é portador de imensas capacidades que, normalmente, estão adormecidas em suas galerias interiores; capacidades pelas quais o homem pode muito mais do que imagina, se as despertar e trouxer para a luz. Além disso, ele dispõe de sua mente, grávida de forças positivas a que pode dar livre curso. [...]
   No fim, não tenho outro “salvador” senão eu mesmo. - Ignacio Larrañaga, Sofrimento e Paz 2013, pp. 19 e 21.

   The Truth is a Pathless Land: man cannot come to it through any organization, through any creed, through any dogma, priest or ritual, not through any philosophic knowledge or psychological technique. He has to find it through the mirror of relationship, through the understanding of the contents of his own mind, through observation and not through intellectual analysis or introspective dissection. - J. Krishnamurti.

   E conhecereis a Verdade e a Verdade Vos libertará (Jo 8, 32).

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Talvez fosse outono...

   Não importa saber quando ou onde nasceu, e mesmo seu nome. Minha heroína é uma mulher como outras tantas da sua idade. Em seu rosto, o passado emaranhou muitas histórias.
   Por mais íntimo e pessoal que possa parecer o fato que se vai narrar, a leitura diária de um jornal prova que tem caráter universal. O que ocorre a uma mulher ocorre a todas.
   O relógio marca três horas de uma madrugada fria e premonitória.
   Talvez fosse outono... Insone, ela se levanta da cama.
   Há muito não consegue ter um sono tranquilo, angustiada por um pesadelo recorrente: sem precisar detalhes, sê vê diante de uma extensa muralha, tão alongada quanto a que o primeiro Imperador um dia acreditou pudesse conter a morte.
   Vai para a sala, acende o abajur e folheia as páginas de uma revista. Por entre palavras e imagens que lhe parecem vagas, confusas, sem sentido, seu desconforto vagueia no tempo.
   Foi às vésperas do Natal de 1998 – o mesmo ano da morte de seu pai. Se apaixonara. A eventos prosaicos se unem as tragédias humanas.
   Decide se libertar do inferno. Lera que o amor cobre uma multidão de pecados. Pecara por amor.
   Volta para o quarto determinada a reescrever sua história. Não é a primeira vez que se dispõe a isso. Desde que o filho nascera, há sete anos, quer revelar sua verdade.
   Na soleira do quarto, apoia o corpo cansado no umbral da porta e observa o marido dormindo.
   Pé ante pé, se aproxima.
   Ajoelha-se ao lado da cama e balbucia.
– José... você me perdoa?
   Ele se mexe, se ajeita, lhe dá as costas.
   Ela insiste.
 – Me perdoa?
   O pêndulo do relógio da sala sinaliza o momento. É chegado o tempo de despertar.
   Quer esquecer, apagar o remorso para que a culpa não exista.
   Senta-se na beirada da cama. Da gaveta do criado-mudo, tira as cartelas de comprimidos. Engole um, dois, três, quatro... todos. - LIC, dez. 2012.

Respeitar-se

   Toda pessoa é mistério, isto é, um mundo e uma experiência que nunca se repetirão; eu só e uma só vez.
   O outro, como mistério que é, é um mundo sagrado; e, como sagrado, merece respeito.
   A primeira coisa que um sábio sabe é que não sabemos nada do outro, porque o outro é um mundo desconhecido. E a atitude elementar ante o desconhecido é, quando menos, a do silêncio, porque no fundo não sabemos nada do outro. [...]
   A falta de respeito chama-se maledicência. - Ignacio Larranãga, Transfiguração 2012, p. 109.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Quem quer ir para a Terra?

Você moraria neste Planeta?

Filme La Belle Verte (Turista Espacial) - Legendado PT-BR (completo)-SD from Carlos Guttemberg on Vimeo.

No fundo do poço

   É um círculo vicioso.
   Quanto menos se reza, menos vontade se tem de rezar. Quanto menos vontade de rezar, menos se reza. Quando menos se reza, Deus começa a afastar-se. Não é que Deus se afaste, mas a sensação perceptiva que temos é que Deus é “menos” Deus em mim, como que se tornou alguém distante, quase inexistente.
   À medida que isto ocorre, há menos vontade de estar com ele. Quanto menos estamos com Deus, Ele mesmo é menos presença em mim.
   E aqui e agora surge o seguinte fenômeno: à medida que Deus é “menos” Deus, eu sou mais “eu” em mim, para mim, aumentando o amor-próprio, ou seja, tornam-se mais presentes em mim os aspectos negativos do “homem velho”, os mil filhos do “eu” – vaidade, busca de si mesmo, ressentimentos, lacunas afetivas, rivalidades, tristezas, manias de grandeza, necessidade de autocompaixão, de mendigar consolo... - Ignacio Larrañaga, Transfiguração 2012, pp. 28-29.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Esvaziar-se

“Nada me dá pena”
   Para aquele que se esvaziou de si próprio não existe ridículo. Se nos esquecêssemos, se nos esvaziássemos das ilusões e quimeras do “eu”, o medo não bateria à nossa porta e sentiríamos o mesmo imenso alívio de quando desaparece a febre alta
   Nada de dentro, nada de fora poderia perturbar a serenidade daquele que se libertou do “eu”. Os desgostos não o afligem, as críticas não o amarguram. Eliminado o “eu”, adquire o homem plena presença de si mesmo e controle dos nervos no jeito de falar, agir e reagir. Porem, atenção!, isso não se consegue de uma vez para sempre. Depois de desfrutar uma sonhada paz, de repente, no momento menos esperado, eu me sentia agitado novamente. Analisava-me, e outra vez era o medo gerado pelo “eu”. Outra vez precisava esvaziar-me e recuperar a serenidade. - Ignacio Larrañaga, A Rosa e o Fogo 2012, p. 88.

A Problem that Thought Cannot Resolve
   The self is a problem that thought cannot resolve. There must be an awareness which is not of thought. To be aware, without condemnation or justification, of the activities of the self - just to be aware - is sufficient. If you are aware in order to find out how to resolve the problem, in order to transform it, in order to produce a result, then it is still within the field of the self, of the 'me'. So long as we are seeking a result, whether through analysis, through awareness, through constant examination of every thought, we are still within the field of thought, which is within the field of the 'me', of the 'I', of the ego, or what you will. As long as the activity of the mind exists, surely there can be no love. When there is love, we shall have no social problems. - J. Krishnamurti, What Are You Doing with Your Life?

Ser Ego ou Ser Eu | What Are You Doing with Your Life?

A ilusão do “eu”
   O “eu” é uma louca quimera, um fogo-fátuo, um rótulo e uma roupagem, uma vibração inútil que me persegue e obceca. É um fluxo contínuo de sensações e impressões vinculadas a um centro imaginário inexistente. É preciso, portanto, apagar esse fogo. É preciso libertar-se do “eu”.
   A verdadeira libertação se baseia em: esvaziar-se de si mesmo, extinguir a chama desse fogo-fátuo, deixar de vincular-se a uma imagem ilusória, convencer-se de que o suposto “eu” não existe de fato e de que você vive em brasas por uma mentira, uma quimera. [...]
   Morto o “eu”, nasce a liberdade. - Ignacio Larrañaga, A Arte de Ser Feliz 2012, p. 84.

What Is the Self?
   Do we know what we mean by the self? By that, I mean the idea, the memory, the conclusion, the experience, the various forms of nameable and unnameable intentions, the conscious endeavor to be or not to be, the accumulated memory of the unconscious, the racial, the group, the individual, the clan, and the whole of it all, whether it is projected outwardly in action or projected spiritually as virtue; the striving after all this is the self. In it is included the competition, the desire to be. 
   The whole process of that is the self; and we know actually when we are faced with it that it is an evil thing. I am using the word 'evil' intentionally, because the self is dividing: the self is self-enclosing: its activities, however noble, are separative and isolating. We know all this. We also know those extraordinary moments when the self is not there, in which there is no sense of endeavor, of effort, and which happens when there is love. - J. Krishnamurti, What Are You Doing with Your Life?

domingo, 3 de agosto de 2014

O irmão de Assis

Como declara o autor, Ignacio Larrañaga, "Bem poderia afirmar que, entre todos os meus livros, O irmão de Assis é o mais meu. Enquanto escrevia, tive também a sensação nítida de estar apresentando um ideal de vida, um código de felicidade, diametralmente oposto ao ideal hedonista da sociedade de consumo".
Título original: El Hermano de Asis. Chile: Cefepal.

Os castelos ameaçam ruína

   Toda transformação começa por um despertar. Cai a ilusão e fica a desilusão, desvanece-se o engano e sobra o desengano. Sim, todo despertar é um desengano, desde as verdades fundamentais do Príncipe Sakkiamuni (Buda) até as convicções do Eclesiastes. Mas o desengano pode ser a primeira pedra de um mundo novo.
   Se analisarmos as origens dos grandes santos, se observarmos as transformações espirituais que ocorrem ao nosso redor, descobriremos em tudo uma espécie de passo prévio, um despertar: o ser humano convence-se de que toda a realidade é efêmera ou impermanente, de que nada possui solidez, a não ser Deus.
   Em toda adesão a Deus, quando é plena, esconde-se uma busca inconsciente de transcendência e de eternidade. Em toda saída decisiva para o Infinito, palpita um desejo de libertar-se da opressão de toda limitação e, assim, a conversão transforma-se na suprema libertação da angústia.
   Ao despertar, o ser humano torna-se um sábio: sabe que é loucura absolutizar o relativo e relativizar o absoluto; sabe que somos buscadores inatos de horizontes eternos, e que as realidades humanas só oferecem marcos estreitos que oprimem nossas ânsias de transcendências, e assim nasce a angústia; sabe que a criatura termina “aí” e não tem escapatória, por isso seus desejos derradeiros permanecem sempre frustrados; e sabe principalmente que, no final das contas, só Deus vale a pena, porque só ele oferece meios para canalizar os impulsos ancestrais e profundos do coração humano. - Ignacio Larrañaga, O Irmão de Assis 2012, pp. 11-12.

sábado, 2 de agosto de 2014

Perdonare

   Neste dia 2 de agosto, para lembrar a Benção do Perdão concedida a Francisco de Assis pelo papa Honório III em 1216, compartilho este vídeo, o primeiro de quatro (em média, 15 min cada um), que apresentam Francisco e sua mensagem de amor: "Vi voglio mandare tutti in paradiso, e vi annuncio un’indulgenza, che ho ottenuto dalla bocca del sommo pontefice".

Nudez, Liberdade, Alegria

   Era o homem mais livre do mundo. Não estava vinculado a nada. Não podia perder nada porque não tinha nada. Por que temer? Por que perturbar-se? Por acaso a perturbação não é um exército de defesa das propriedades ameaçadas? Quem não tem nada nem quer ter, vai preocupar-se com o quê? O Irmão não tinha roupa, comida, nem teto. Não tinha pai, mãe, irmãos. Não tinha prestígio, estima dos concidadãos, dos amigos ou da vizinhança. É na terra despojada e nua que nasce e cresce, alta, a árvore florida da liberdade. [...]
   Um homem despojado é um homem entregue, como essas aves implumes que estão felizes nas mãos cálidas do Pai. Quando não se tem nada, Deus transforma-se em tudo. - Ignacio Larrañaga, O Irmão de Assis 2012, pp. 93-94.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Amor-próprio cego e suicida

   O amor-próprio é cego e suicida: prefere a satisfação da vingança ao alívio do perdão. Mas loucura é odiar: é como armazenar veneno nas próprias entranhas. O rancoroso vive uma eterna agonia.
   Não existe no mundo nenhuma fruta mais saborosa do que a sensação de descanso e alívio que se tem ao perdoar, assim como não há fadiga mais desagradável do que a produzida pelo rancor. Vale a pena perdoar, mesmo que seja só por interesse, porque não há terapia mais libertadora do que o perdão.
   Não é necessário pedir perdão ou perdoar com palavras. Muitas vezes, basta um cumprimento, um olhar benevolente, uma aproximação, uma conversa. São os melhores sinais de perdão.
   Às vezes, acontece o seguinte: a gente perdoa e sente o perdão, mas, depois de algum tempo, renasce a aversão. Não há porque assustar-se. Uma ferida profunda precisa de muitos curativos. Temos que tornar a perdoar mais vezes, até a ferida ficar curada de uma vez. - Ignacio Larrañaga, Encontro 2010, pp. 155-156.

Problemas de perdão

   Poucas vezes, somos ofendidos. Muitas vezes, sentimo-nos ofendidos. - Ignacio Larrañaga, Encontro 2010, p. 154.