quarta-feira, 6 de agosto de 2014

TALVEZ FOSSE OUTONO

Não importa saber quando ou onde nasceu, e mesmo seu nome. Minha heroína é uma mulher como outras tantas da sua idade. Em seu rosto, o passado emaranhou muitas histórias.

Por mais íntimo e pessoal que possa parecer o fato que se vai narrar, a leitura diária de um jornal prova que tem caráter universal. O que ocorre a uma mulher ocorre a todas.

O relógio marca três horas de uma madrugada fria e premonitória.

Talvez fosse outono... Insone, ela se levanta da cama.

Há muito não consegue ter um sono tranquilo, angustiada por um pesadelo recorrente: sem precisar detalhes, sê vê diante de uma extensa muralha, tão alongada quanto a que o primeiro Imperador da China, um dia, acreditou pudesse conter a morte.

Vai para a sala, acende o abajur e folheia as páginas de uma revista. Por entre palavras e imagens que lhe parecem vagas, confusas, sem sentido, seu desconforto vagueia no tempo.

Foi às vésperas do Natal de 1998 – o mesmo ano da morte de seu pai. Se apaixonara. A eventos prosaicos se unem as tragédias humanas.

Decide se libertar do inferno. Lera que o amor cobre uma multidão de pecados. Pecara por amor.

Volta para o quarto determinada a reescrever sua história. Não é a primeira vez que se dispõe a isso. Desde que o filho nascera, há sete anos, quer revelar sua verdade.

Na soleira do quarto, apoia o corpo cansado no umbral da porta e observa o marido dormindo.

Pé ante pé, se aproxima.

Ajoelha-se ao lado da cama e balbucia. “Carlos... você me perdoa?”

Ele se mexe, se ajeita, lhe dá as costas.

Ela insiste. “Me perdoa?”

O pêndulo do relógio da sala sinaliza o momento. É chegado o tempo de despertar.

Quer esquecer, apagar o remorso para que a culpa não exista.

Senta-se na beirada da cama. Da gaveta do criado-mudo, tira as cartelas de comprimidos. Engole um, dois, três, quatro... todos.  

LIC, dez. 2012

2 comentários:

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