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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Um personagem


A mesa está posta na sala de jantar, porque seremos sete: meus pais, meus três irmãos, eu e tia Brígida, minha tia de domingo.
Era de seus hábitos e costumes almoçar em nossa casa sempre aos domingos. Chegava exatamente às onze horas. Para tanto, pegava o ônibus que passava às dez no ponto em frente do mosteiro de São Jerônimo, onde assistia missa. O rigor na pontualidade obrigava tia Brígida a receber a benção de costas, já do lado de fora, nas escadarias da igreja.
Por este acinte, pedia perdão, contrita e cegamente confiada no juízo sensato de Deus.
Tia Brígida era alta, magra, rosto pálido e sem brilho. Muitas rugas marcavam o horizonte da sua testa. No espelho do passado, eram os olhos pequenos, encovados, sombreados por finas sobrancelhas que se destacavam a me contar sua história.
Fora casada e tivera filhos. Dois meninos gêmeos prematuros que morreram com poucos dias de vida. Depois de seguidos anos marcados por abortos espontâneos, conseguiu convencer o marido pela adoção. Com onze anos, o menino, era um outro menino, morreu tísico. O marido, já infiel, por fim desertou.   
Nas inutilidades dos meus domingos, tia Brígida continuamente é o ponto de partida de minhas indagações metafísicas: por quê? para quê? Mas acredito que ela encontrou as respostas. Por vezes, sorria.    

KLIMT, Gustav. Esperança II (1908)