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quarta-feira, 23 de julho de 2014

O paraíso perdido

   - Para com isso, Pedro! Você ainda vai fazer estrago.
   Dizem que mãe sabe tudo. A minha ia além. Predizia desgraças.
   Há poucos minutos, o vidro da janela da sala desabou sob o impacto de um tiro não muito certeiro. O alvo era o Ulisses. Maldito gato!
   Pra me safar de beliscões e do puxão de orelha, me refugiei no banheiro com a arma do crime. Tranquei a porta, guardei o estilingue no bolso da calça e sentei encolhido de medo, sobre a tampa da privada. Imóvel, mudo, aguardei as consequências.
   - Pedro, que foi isso?
   E lá estava ela, esmurrando a porta.
   - Abra essa porta, moleque! Se demorar, vai ser pior.
   Preferi apostar no pior.
   - Você vai ver quando seu avô chegar!
   Preferi esperar pra ver. Homem com homem se entende, pensei.
   Minha mãe era de acessos. Filha única, enviuvara cedo. 
   Logo ouvi passos se afastando, descendo as escadas e depois... apenas o silêncio de uma cela solitária.
   Me dei conta que a espera seria longa. Acabara de almoçar e meu avô voltaria do trabalho apenas no final da tarde.
   Minha bunda começou a ficar fria, minhas costas a doerem. Experimentei a privada com a tampa levantada. Depois o bidê. Sentei no chão encostado na porta do box sobre o tapetinho de crochê. Por fim, me estiquei na banheira.
   Era de louça branca, com uma reentrância para acomodar a cabeça. Foi o que fiz. Me dei por morto. Afinal, a tarde estava perdida.
   Antes do último suspiro, uma visão. Uma mosquinha cega, dessas que nascem para a eternidade nos banheiros, colada na imensa parede de azulejos azuis, bem próxima do meu rosto. 
   Era menos que uma caca de nariz. Não servia pra nada. Pensei assoprá-la. Como pressentindo, voou em direção à porta e ousou posar sobre uma peça de roupa ali esquecida.
   Um sutiã. De renda vermelha.
   Desviei o olhar, mas minha atenção fora enfeitiçada.
   Eu tinha onze anos e estava só.
   Seios começaram a preencher e se despir daquele sutiã ao ritmo desordenado de lembranças e devaneios.    Seios vistos, pressentidos, imaginados, queridos. Os seios da minha mãe, da minha avó, de tias, primas, professoras, de todas as mulheres. Seios pequenos, grandes, fartos, murchos, arrojados, envergonhados. Seios brotando, maduros, em flor. Seios negros, mulatos, seios beijados, mordidos, lambidos, deleitados, sorvidos. De mamilos rijos, róseos, da cor do carmim, escarlates, a jorrar leite e prazer.
   Um fluxo de desejo agitou meu sangue. A correr desordenado, acelerou as batidas do meu coração e retesou, robusteceu, fez crescer parte do meu corpo. Isso nunca tinha acontecido.
   De um salto, levantei. 
   No espelho que cobria a parede, me vi projetado, macho da minha espécie. 
   Ainda confuso, mas já poderoso, esmaguei com a palma da mão a mosquinha cega. 
   Eu fora expulso do paraíso. - LIC, jul. 1999.

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