quinta-feira, 30 de maio de 2024

OUTONO 2024

Tá frio, né?

🚗 Então, quando sair de casa, coloque no carro um casaco, ou um agasalho, ou um cobertor “cheirando a guardado”.

No caminho, quem sabe você encontra alguém precisando...

Muitas vezes, o pouco que podemos fazer é muito para quem nada tem.

❤ Espalhe essa ideia!

MAL VISTO

O Walter é funcionário de um órgão público paulista.

Na sua área profissional, ele convive com alguns colegas de trabalho que são cegos ou têm baixa visão.

Há um tempo atrás, eles convidaram o Walter para ser goleiro do time de futebol de 5.

Para quem não sabe, essa modalidade esportiva é exclusiva para pessoas com deficiência visual. Cada time é formado por cinco jogadores – um goleiro e quatro na linha. Só o goleiro tem visão total, enxerga.

O Walter aceitou o convite e foi assim que ele ganhou um dos seus melhores amigos, o Ronaldo. As esposas foram apresentadas, ficaram amigas e os filhos também.

Com a convivência, o Walter não passa mais incólume quando vê uma pessoa andando com uma bengala branca. Foi o que aconteceu naquele dia.

Ele vinha descendo a rua da Consolação e viu um senhor cego parado em uma esquina, na beira da calçada de um posto de gasolina, esperando alguém para ajudá-lo a atravessar.

Sem pensar duas vezes,  desviou a moto para a pista da direita e entrou no posto, passando por trás do senhor de bengala.

A Harley Davidson roncou alto e fez o ar estremecer.

Estacionou a moto e foi oferecer ajuda.

– O senhor quer atravessar?

Enquanto atravessavam, o Walter comentou que aquela rua era muito perigosa e que, por causa do tráfego intenso, ninguém estava atento aos pedestres.

 Ao que o senhor respondeu:

– Você tem razão. Agorinha mesmo, um maluco de um motoqueiro entrou no posto a 100 por hora, passou por trás de mim e quase me atropelou. Acho que nem me viu!

LIC

LENÇÓIS

Às segundas-feiras, costumo trocar os lençóis das camas.

Como fazia na casa dos meus pais, faço aqui na minha: arrumo a minha cama e a dos meus filhos melhor que camareira de hotel 5 estrelas. Os lençóis ficam esticadinhos, sem rugas nem dobras, o de baixo e o de cima, depois de sacudi-los pra espanejar os ácaros.

Pois eles estão em todos os lugares, até nos cílios! Li, em fonte fidedigna, que existem de 500 mil a 1 milhão de ácaros e que novas espécies são encontradas rotineiramente.

Fiquei tão horrorizado com essa notícia que nem segui adiante a leitura do artigo pra saber pra quê Deus criou essas criaturas quase invisíveis - medem entre 0,25 e 0,75 mm de comprimento, mas há espécies ainda menores!

Bem... voltando aos lençóis porque é esse o tema desta crônica, se eu pudesse, trocaria os lençóis da minha cama todo dia. Que luxo! Esse é meu sonho de consumo.

"Cama feita e louça lavada = casa arrumada", como dizia minha mãe. Feito isso, resolvi caminhar um pouco no parque.

Era um manhã outonal, nublada, a 15 °C sob garoa que ia e vinha.

Eu o vi assim que sai de casa. Ele ainda estava dormindo... na calçada, sem lençóis sem travesseiro sem cobertor sem edredom sem pijama sem nada.

Aqui, no meu país, cerca de 200 mil pessoas vivem nas ruas. Acho que também sem lençóis sem travesseiros sem cobertor sem edredom sem pijama sem nada.

Um luxo?!

Voltei pra casa e fui me perdendo nas demandas diárias. Esqueci dos lençóis, dos ácaros, daquele homem dormindo na calçada.

A noitinha, já na cama, sob e sobre meu lençol de percal 1000 fios 100% algodão egípcio, uma pergunta me atazanou: "Por quê eu e não ele"?

Não sei. Ainda não sei.

LIC

quarta-feira, 29 de maio de 2024

FRAGILIDADE HUMANA

"Começaram a ficar tristes e a dizer-lhe, um após outro: "Acaso sou eu?'."

Quando li esse trecho que está em Marcos 14:19, lembrei da expressão "vestir a carapuça".

"Vestir a carapuça" significa assumir a culpa de algo ou considerar que está sendo acusado de alguma coisa. 

A carapuça é uma espécie de gorro com formato de cone que era usado principalmente por pessoas condenadas em julgamentos no período da Inquisição.

Voltando ao texto... Essa pergunta dos Doze foi a resposta que deram ao que Jesus afirmara: "Em verdade vos digo, um de vós que come comigo há de me entregar".

Comecei a refletir a respeito. Não se lê um texto bíblico como se lê uma receita de bolo. É preciso fazer perguntas cada vez mais profundas.

Nós sabemos quem foi que entregou Jesus. Eles não sabiam e cada um se sentiu capaz de uma traição. Então, cada um dos Doze "vestiu a carapuça".

Por que se até então não tinham feito nada contra o Mestre?

Daí lembrei da confissão sincera de Paulo: "Não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço".

Acredito que essa é a frágil condição humana: nossa consciência é capaz de descuidos. Prometemos muito, cumprimos pouco.

Todos nós bem sabemos qual foi o episódio seguinte... "Disse-lhe Jesus: 'Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, três vezes me negarás'."

"Disse-lhe Pedro: 'Ainda que me seja mister morrer contigo, não te negarei'. E todos os discípulos disseram o mesmo."

LIC

segunda-feira, 27 de maio de 2024

DAY BY DAY. JUST ENOUGH.

O pós-operatório recomendava manter repouso, evitar carregar peso, não abaixar a cabeça.

Tinha permissão para ler, assistir televisão e comer à vontade.

Depois de comer à vontade, resolvi repousar no sofá assistindo televisão.

Mas televisão é um sonífero potente pra mim; bastam cinco minutos diante da tela acesa e eu adormeço.

Pra não correr esse risco, pois, de três em três horas, tinha que pingar o colírio, procurei um filme numa plataforma de streaming.

Gosto de drama com humor, bom humor.

Como a vida exibe magistralmente esses dois gêneros, aparentemente incompatíveis, escolhi um filme baseado numa história real.

Intocáveis ("Intouchables"), de 2011.

É sobre a amizade entre o milionário francês tetraplégico Philippe Pozzo di Borgo e o imigrante senegalês Abdel Yasmin Sellou contratado para ajudá-lo nas suas necessidades básicas de sobrevivência.

Dois seres humanos que aprenderam não ser possível viver acreditando nos clichês ingênuos de autoajuda que, atualmente, circulam pelas redes sociais.

Autoajuda é um perigo, caros leitores! Nos fazem acreditar que é possível viver um dia inteirinho cor-de-rosa.

Os dias não têm uma única "cor". Não, eles têm todas as cores da paleta infinita do viver e, graças a Deus, pois seria insuportável viver uma sucessão interminável de dias róseos.

Pois a consciência se dá por contraste: perda e ganho, sofrimento e prazer, quente e frio, bom e ruim, bem e mal etc. etc. etc.

Não pretendo fazer a apologia do sofrimento. Seria antinatural.

Mas reforço apenas o que ouvi de minhas amadas e sábias avós: "O completo bem-estar pode ser o fim da alma".

Então, bem-vindos domingos, segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados... e domingos, com seus diversos matizes, tonalidades e intensidades, do preto ao branco.

LIC

P.S.: Philippe morreu em junho do ano passado (2023).

sábado, 25 de maio de 2024

O CRISTALINO

Em 10 minutos, cheguei ao local - um prédio todo informatizado, mas ainda com um ser humano pra dar informações ao vivo e em cores sobre como lidar com todos aqueles botões.

Às 7h em ponto, o acesso aos andares foi liberado automaticamente.

Entre a chegada e a saída do espaço 2001 no 20° andar, contabilizei três horas e uns 40 minutos mais ou menos.

Familiares e amigos, que já haviam passado pela facoemulsificação, tinham me dito que seria assim: rápido e indolor.

Assim foi, tanto que dormi durante e depois. Quando acordei, tinham fragmentado meu cristalino opaco e substituído por um cristalino cristalino.

De volta pra casa, com um tampão de acrílico pra proteger o olho operado, me senti um ser biônico.

Até então, estava com todas as "peças" originais. Agora, tinha um cristalino de material plástico.

Lembrei de minhas avós que partiram desta para melhor sem precisar restaurar os padrões e as configurações de fábrica, mesmo tendo algumas "peças" já puídas pelo uso. Afinal, uma tinha 84 e a outra 89 anos.

Já não fazem seres humanos como antigamente!

Se me perguntassem qual a minha idade caso eu não soubesse quantos anos tenho, diria que depende do dia.

Hoje, é a que meu RG acusa.

La vecchiaia è bruta.

LIC, 24 maio de 2024

quinta-feira, 23 de maio de 2024

A BROA DE FUBÁ


O psicanalista Rubem Alves foi entrevistado pelo diretor de teatro Antônio Abujamra no programa "Provocações" em 3 de maio de 2011.

A uma das provocações que o Abujamra lhe fez - "a vida é uma causa perdida?" -, o Rubem respondeu, entre outras coisas, afirmando que a vida está cheia de algo maravilhoso que se chama alegria.

Citou, então, uma frase de Guimarães Rosa: “Alegria só em raros momentos de distração".

E não é que o Guimarães tem razão?! Pois eu estava distraída quando senti alegria naquele dia.

Era uma tarde fria e chuvosa. Sentei pra tomar um chá e comer a broa de fubá que acabara de comprar na padaria.

Se algum dia o manjar dos deuses do Olimpo existiu - a ambrosia -, seu sabor divino estava naquela prosaica broa de fubá.

A sensação de prazer foi intensa logo na primeira bocada. A alegria veio na sequência, como um produto interno bruto, original, de raiz!

Comi o restante da broa vorazmente pra sentir mais alegria, mas ela se fora.

Pois ela - a alegria - vem em pequenos bocados, em curtos momentos, tão repentina e fugazmente como um relâmpago.

É uma regalia da alma humana. Nem os anjos, tão próximos de Deus, a suprema alegria, conseguem senti-la.

Eles são imortais e a alegria se dá no tempo - no presente, num instante, sem programação.

E pode ter o "preço" de uma broa de fubá.

LIC, 23 maio 2024

terça-feira, 21 de maio de 2024

A MINHA MÚSICA

Entre o antepasto e a sobremesa, conversamos  trivialidades - sobre a deliciosa caponata, o sabor aveludado e bem tanino do vinho, a salada caprese fresquíssima, o espaguete à carbonara cozido no ponto, a deliciosa panacota de morango, especialidade da casa.

Porque, como a mamãe nos ensinara, "à mesa não se discute".

Foi depois do café e do Strega pra ajudar a digestão que surgiu o assunto indigesto.

Minha irmã estava muito triste porque sua amiga de infância morrera de dengue naquela semana.

Dado o primeiro tiro, da dengue passamos para a recente calamidade no Rio Grande do Sul, a guerra interminável na Ucrânia, o conflito entre israelenses e palestinos agravado ano passado, a morte do gato da minha sobrinha...

Estava todo mundo ficando meio deprê, melancólico (o vinho e o Strega tiveram parte nisso), quando minha irmã comentou que queria morrer - "Não já, tenho só 68 anos" - ouvindo Jesus, Alegria dos Homens e lançou a pergunta: "E vocês, qual música escolheriam?

Não posso dizer que nos animamos. Despertamos. Todos na minha familia gostam muito de música.

Aí, teve de tudo, desde a "Nona Sinfonia" de Beethoven, "As rosas não falam" do Cartola, "Que c'est triste Venise" com o Charles Aznavour, "Milonga Triste" do Piazzola, "Imagine" do John Lennon, "Bohemian Rhapsody" do Fred Mercury, "Me ovidé de vivir" com Julio Iglesias, "Naquela mesa" com Nelson Gonçalves e muitas e muitas outras.

Se alguém não conhecia ou não lembrava da música, quem tinha sugerido cantarolava um pedaço.

Saímos do restaurante cantando (o vinho e o Strega tiveram parte nisso).

Eu escolhi "Far Away" com os meninos cantores do grupo Libera, mas não sei não.

Penso que me bastariam as batidas do velho relógio que herdei do meu pai que herdou da sua mãe.

Assim, teria a garantia de estar partindo aqui de casa, adormecendo na minha cama.

Vou deixar manifestado no meu testamento.

LIC, 20 maio 2024

domingo, 19 de maio de 2024

UMA MANHÃ INEXISTENTE

Naquela manhã... Não, já não era manhã.

O relógio sobre o criado-mudo marcava 12h. Doze horas de mais um dia do resto da sua vida que já era passado. E passado dormindo!

Metade do dia se fora.

Depois de saber que, em média, uma pessoa dorme 1/3 da sua vida, Mariana pedia a Deus, toda noite, que ele a ajudasse a não perder tempo... dormindo. E não só a não perder tempo. Também a não perder as generosidades divinas, pois ouvira dizer que a hora de despertar, pela manhã, é o momento privilegiado para isso!

Despertando ao meio-dia, ela estava perdendo também esse benefício.

Lembrou de santo Afonso de Ligório, seu santo de devoção. Afonso se acostumou a dormir em torno de quatro horas. Era como ele conseguia cumprir o voto heroico que fez nos primeiros anos de seu sacerdócio: jamais perder tempo. Quando fazia a barba, segurava a navalha numa mão e na outra trazia um livro. Assim. não perdia tempo parando para ler o que precisava para escrever seus sermões.

Metade do dia se fora...

"Para quem tem mais passado que futuro, isso é uma perda irreparável", ponderou, consciente dos seus sessentas.

A responsabilidade por esse despertar tardio era dela. 

A causa fora o seriado "Maria Madalena" - 60 capítulos eletrizantes sobre uma das mais fervorosas discípulas de Jesus Cristo que enfrentou uma sociedade altamente opressora às mulheres e como seu encontro com Cristo transformou seu destino

Porque era sábado, ficara "grudada" no sofá das 17h às 3h da madrugada, embora já soubesse o fim da história. Todo mundo sabe!

Em consequência, o domingo não amanheceu: não tomou seu cafezinho nem comeu seu pão francês com manteiga nem teve o prazer de sentir o vento frio do outono ao abrir a janela do quarto nem de ver o sol nascer sobre os bons e os maus e vir chuva sobre os justos e injustos.

Foi sua primeira manhã inexistente e tudo ficou fora de sintonia, na tardança dos afazeres.

"Chega de seriados", decidiu. "Quero amanhecer amanhã de manhã cedinho, na hora do cafezinho, com aquele cheiro que acalma até a alma, ainda acima das preocupações e problemas deste mundo, com um repertório cheio de possibilidades."

"Enfim, coisas boas também podem acontecer às segundas-feiras."

LIC, 19 maio 2024

sexta-feira, 17 de maio de 2024

O QUARTO MANDAMENTO

Antigamente...

Ouvi minhas avós - as duas - repetirem essas palavras inúmeras vezes.

Anos depois, minha mãe passou a dizê-las quando eu, da altivez de minha juventude, queria mudar o mundo "reinventando a roda". 

Estou contando isso porque meu filho, vencida a burocracia e um longuíssimo, custoso e intrincado percurso, conseguiu a cidadania italiana.

Ele está em Milão desde o ano passado.

Hoje, telefonou dizendo que vai ficar por lá.

Quanto tempo ainda?, perguntei.

Pra sempre, ele respondeu. 

Bateu um aperto no coração, mas sem lamentos, pois na ordem natural da vida as crianças crescem e se vão.

Mas raramente se iam pra tão distante.

Às vezes, iam pra um outro bairro, ou pra uma cidade vizinha, ou pra um estado daqui mesmo.

Os porquês do antigamente era assim e os porquês do atualmente é assim são numerosos e diversos.

Como isto não é um ensaio, vou contar algo de que me lembro sempre quando penso nessa atual onda migratória de filhos para o exterior - tenho muitos parentes e amigos com filhos morando em outro país e que veem os netos crescerem por meio de chamadas de vídeo.

Em 1933, Adolf Hitler, líder do Partido Nazista, foi nomeado chanceler da Alemanha e iniciou a perseguição aos judeus.

Em 1º de setembro de 1939, sob seu comando, os alemães invadiram a Polônia. Foi o início da 2ª Guerra Mundial e da Shoá, o assassinato em massa de cerca de seis milhões de judeus.

O psiquiatra judeu austríaco Viktor Frankl, esse mesmo ano, obteve um visto para emigrar para os Estados Unidos, mas seus pais não tinham como se refugiar em outro país.

Indeciso entre o desejo de ir e ficar por causa da circunstância dos pais, um dia...

“Ao chegar em casa, encontrei sobre o aparador do rádio um pedaço de mármore que meu pai tinha apanhado nos entulhos do que restara da destruição da maior sinagoga de Viena."

"Perguntei a ele o que era aquilo. Na pedra estava gravada em dourado parte das leis da Torá, o quarto mandamento: ‘Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na Terra’."

"Depois disso, decidi permanecer na Áustria.”

Isso me impressiona e emociona. Acho que porque meu tempo está se aproximando, cada vez mais, do antigamente do que do atualmente.

Deve ser isso. 🤷🏻‍♀️

P.S.: Para quem quiser conhecer o fim da história, recomendo ler "Em busca de sentido", ed. Vozes.

LIC, 18 maio 2024

quinta-feira, 16 de maio de 2024

NÃO MATARÁS.

Passei semanas e semanas me torturando com o desejo de matar a rainha.

Se eu quisesse acabar de vez com todas, teria que matá-la, pois era ela que comandava a colônia e ditava as ordens.

Era um "inferno" toda manhã. Bastava acender a luz para encontrá-las. Uma atrás da outra e outra e outras.

Eram do tamanho do coco de uma mosca, diria Emília, a marquesa de Rabicó. Um cocozinho que se movia rapidinho de lá pra cá, de cá pra lá, incessantemente, comandadas pelas ordens telepáticas da rainha.

Coitadas... todas iguaizinhas, todas operárias, todas atarefadas à procura de comida, comida, comida.

Esse sentimento de dó é que me impedia de esmagar todas com uma dedada assim que eu chegava na cozinha.

Ao invés disso, tentando ser ecologicamente correta, pegava um guardanapo e fazia com que subissem nele. Depois, "despachava" todas pela janela afora, junto com o guardanapo.

Mas elas não se contentaram em explorar a cozinha. Um dia, eu as encontrei na sala, depois, no escritório e a gota d'água foi quando resolveram invadir meu quarto.

Eu sei que foi culpa minha... Na noite anterior, tinha comido a sobremesa 🍨 na cama enquanto assistia um filme.

A distância da cozinha pro meu quarto é considerável, mas se alguém não sabe, elas conseguem se locomover por distâncias grandes, inclusive circular de um bairro para outro e..., pasmem, não dormem, melhor dizendo, só entram num estado de letargia.

Endureci o coração e resolvi comprar o veneno mais venenoso possível pra matar todas.

Fui pesquisar na internet qual seria quando chegou uma mensagem pelo WhatsApp.

Era o post de um amigo brasileiro que mora num desses muitos países em guerra ainda hoje.

Com uma imagem mostrando o horror de um cenário de guerra, a frase era do Guimarães Rosa: "Um dia ainda entra em desuso matar gente”.

"E matar formiga?", pensei imediatamente.

Ainda estou em dúvida.

LIC, 15 maio 2024

segunda-feira, 13 de maio de 2024

SIMPATIA

 

Foi ontem, entre a missa e a pizza.

Nós nos reunimos para orar por um prima querida que morreu há um ano. Participamos da missa das 19h na igreja que ela frequentava.

Terminada a celebração da Eucaristia, resolvemos comer algo na pizzaria da esquina. Era sexta-feira.

Atravessando a rua, percebi que minha cunhada mancava.

"Que aconteceu, Camilla?"

"Um esporão. Ganhei nessa última viagem pra Itália. Andei muito e, acho, com sapatos inadequados. Além disso, estou acima do peso."

Esporão é uma inflamação da fáscia plantar que provoca dor aguda como uma faca sendo enviada ou agulhadas no calcanhar.

Lembrei, de imediato, de uma simpatia que minha avó ensinava pra vizinhança.

O Google diz que existem tratamentos para melhorar os sintomas, mas não menciona simpatias.

Eu acredito nas simpatias. Já provei sua eficácia: pra olho de peixe, verrugas, soluço etc...

"Camilla, é tiro e queda, mas precisa ter fé", acentuei pra minha cunhada. Minha avó dizia que essa é a condição "sine qua non" imposta pelas simpatias: uma confiança absoluta que vai dar certo.

Dizem que simpatia é superstição, é mito popular. Mas foi dito que a fé move montanha.

Aceita essa condição, restava procurar o ingrediente único pra fazer a simpatia - uma folha de 🌵 cacto para, sobre ela, desenhar o contorno do pé com esporão.

A Camilla descobriu um cacto enorme entregue à própria sorte em um vão de calçada, sobrevivendo à orfandade e às intempéries. Os cactos são capazes de sobreviver em locais áridos e de armazenar água.

Ela foi com sede ao pote e, no arrancar um dos gomos, espinhou as duas mãos.

Me telefonou furiosa depois de - disse ela - passar horas tirando com uma pinça os espinhos minúsculos, finos e transparentes.

Desistiu da simpatia. Mulher de pouca fé!

SIMPATIA (pra quem quiser continuar depois de tirar os espinhos)

1- Coloque o pé em cima da folha (primeiro, tem que tirar os espinhos que restaram 😁) e circule em volta fazendo o desenho do pé.

2- Recorte, pendure o "seu pé" de cacto e deixe pendurado (pode ser na área de serviço, na sacada) até secar.

3- Quando secar, jogue em água corrente (rio, correnteza da chuva etc.)

4- Confie!

LIC, 13 maio 2024


sábado, 11 de maio de 2024

ÊXODO X EXODUS


"Tomo Êxodo todo dia logo cedo", ouvi o Carlos falar.

Êxodo... será que ouvi direito?, me perguntei.

Como era sexta-feira e estávamos na mesa de um bar, talvez fosse hora de parar de beber.

Daí instantes, o Mário também comentou que tomava Êxodo, já há duas semanas.

Dessa vez, não tive dúvida. Eu ouvira claramente, pois o Mário estava sentado ao meu lado.

Um ponto de interrogação se fixou na minha mente: será que eles estão falando do segundo livro da Bíblia?

Como uma ideia puxa outra e a imaginação é a louca da casa, numa fração de segundo, estava no Egito, no meio do povo israelita, fugindo do faraó, atravessando a pé enxuto as águas divididas do Mar de Juncos a caminho de Canaã.

É disso que trata o Êxodo: de um longo caminhar em direção "a uma terra que mana leite e mel".

Despertei do meu devaneio quando o garçom trouxe os petiscos: nem leite nem mel.

A conversa tinha progredido e os dois comentavam... "tomo logo cedo pra baixar a ansiedade e a irritação"; "tomo na hora do almoço, quando percebo que a serotonina tá no limite".

Foi aí que me dei conta que o êxodo deles não era aquele Êxodo de, mais ou menos, 3.000 anos atrás.

Do que vocês estão falando?, perguntei.

Era sobre o "Exodus", um dos inúmeros inibidores seletivos da recaptação da serotonina, que fazem a serotonina permanecer disponível no organismo por mais tempo. É uma droga tarja preta à venda em farmácias e drugstores. A dose usual é de 10mg/dia, com resposta antidepressiva em 2 a 4 semanas. 

Para quem não sabe, a serotonina é conhecida como o hormônio da felicidade, da satisfação e bem-estar, estabilizador de humor. Para "produzi-la", recomenda-se caminhar na natureza, se expor ao sol, meditar, orar, deitar na grama ou na areia...

Voltei ao Egito. Cá comigo pensei... o povo do Êxodo caminhou na natureza, se expôs ao sol, meditou, orou, deitou na areia do deserto durante 40 anos em direção à Terra Prometida. 

Não foi fácil, Moisés que o diga (leia o livro), mas quem falou que seria?

Se já existisse, será que eles teriam tomado "Exodus" pra facilitar a jornada?

Sei não... 

Já não fazem seres humanos como antigamente...

LIC, 11 maio 2024

quarta-feira, 8 de maio de 2024

TIA BRIGIDA

A mesa está posta na sala de jantar porque seremos sete: meus pais, meus três irmãos, eu e tia Brigida, minha tia dos domingos.

Era de seus hábitos e costumes almoçar em nossa casa aos domingos.

Chegava pontualmente às onze horas. Para tanto, pegava o ônibus que passava às dez no ponto em frente do mosteiro de São Bento, onde assistia a missa das 9h.

O rigor na pontualidade obrigava tia Brigida a receber a benção de costas, já do lado de fora da igreja, nas escadarias.

Por esse despropósito, pedia perdão, contrita e cegamente confiada no juízo sensato de Deus.

Era alta, magra, sem elegância. A falta de exposição ao sol tornara seu rosto pálido amarelado. Muitas rugas marcavam o horizonte da sua testa. Seus olhos pequenos, encovados, sombreados por finas sobrancelhas, me contavam e recontavam seu passado. 

Fora casada e tivera filhos. Dois meninos, gêmeos prematuros, que morreram com poucos dias de vida.

Depois de seguidos anos marcados por abortos, conseguiu convencer o marido pela adoção. Com sete anos, o menino, era um outro menino, morreu tísico.

O marido, já infiel, por fim desertou.

Mas... tia Brigida sempre me pareceu feliz. Por vezes, sorria.

Na inutilidade dos domingos, ela continuamente era o ponto de partida das minhas indagações metafísicas - que viemos fazer aqui, quem somos, de onde viemos, para onde vamos?

Tia Brigida já não vem almoçar aos domingos, mas as perguntas continuam. São definitivas.

As respostas continuam provisórias, ainda hoje.

Coisas de domingo.

LIC, 8 maio 2024

terça-feira, 7 de maio de 2024

DE TUDO UM POUCO

O dia amanhece tão depressa...

Acordei às 5h e cinco minutos depois estava no banheiro para as necessidades matinais.

Não costumo ficar na cama depois de acordada - dizem que o corpo na cama, quando já estamos acordados, é um laboratório de formas mentais sobre as quais não temos controle. É a travessia da "morte" para a vida.

Já experimentei e Deus me livre! Só veio pensamento ruim!

Hoje, decidi ir ao parque pra minha caminhada diária antes de ligar o celular.

O WhatsApp me toma tempo, muito tempo...

Logo cedo, tenho as mensagens de Boa Noite! dos amigos notívagos, que não vi porque durmo com as galinhas, e as mensagens de Bom Dia! dos madrugadores como eu, que acordam com os galos.

No caminho de volta, lembrei que tinha contas a pagar - condomínio, cartão de crédito, Comgás.

Liguei o celular e o WhatsApp sinalizou 50 novas mensagens. A curiosidade mata, né?!

"Vou dar uma olhadinha rápida", pensei.

Pois a olhadinha tomou metade da minha manhã.

Fui submergida por vídeos áudios e mensagens sobre a calamidade no Rio Grande do Sul.

Dezenas de milhares de brasileiros foram retirados da sua rotina diária, impotentes à fúria das águas do Guaíba. Dos 497 municípios gaúchos, 364 estão mergulhados em perdas e luto.

Os entendidos em  aquecimento global, mudanças climáticas, afirmam que já estão dados os ingredientes para os séculos de desastres descomunais.

Não há limites pras chuvas, nem pros tsunamis, nem pros terremotos, nem pras secas...

A presente relação humanidade / natureza vem sofrendo uma cisão desde que escutamos no soar da eternidade "dominem sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra".

Estamos levando isso ao pé da letra, numa leitura mal compreendida. Não esmaguemos as entrelinhas! 

Dominar significa governar, gerir, dirigir, encaminhar, orientar, coordenar tendo autoridade.

Bem que vovó dizia “meu fi, meu fi, tu vai ver coisa, tu vai ver coisa”. Não era mentira de Dindinha.

And last but not least, lembrei que tenho contas a pagar. Afinal, a vida continua...🤷🏻‍♀️

LIC, 7 maio 2024

domingo, 5 de maio de 2024

GULA

 


Ontem, almocei num restaurante por quilo perto de casa.

Comi duas coxas de frango com batatas assadas, um tanto de alface crespa, rabanete fatiado e cenoura ralada.

Minha nutricionista quantificaria como uma refeição frugal, sóbria, simples, e qualificaria como balanceada - proteína animal, carboidrato, verdura e legume.

Não costumo comer sobremesa: nem fruta nem doce.

Mas... um pudim coberto com coco ralado me atraiu. Eu amo coco e tudo feito com coco!

O prazer sugeriu uma fatia pequena sem que a necessidade pedisse.

Tanto foi o prazer que, a cada bocada, eu suspirava num gozo degustativo.

Fui saboreando lentamente para que não acabasse nunca, já insatisfeita com a quantidade.

Ah, a eterna insatisfação com a quantidade... seja lá do que for.

Diante do prato vazio, com somente uns farelos do coco ralado, imediatamente pensei em repetir.

"Só mais um pedaço", disse a mim mesma, e ouvi, prontamente, um "Não!".

Era meu médico gritando no meu ouvido "Evite açúcar!".

"Então, só mais um pedacinho", argumentei.

E, tão prontamente quanto aquela primeira voz, ouvi Agostinho (o bispo) sussurrando "Não há quem, por vezes, não tenha comido mais do que exige a necessidade".

Que consolo!

Meu estômago estava dominado pelo descontrole, mas justificado por um santo homem.

Desta vez, fatiei generosamente.

Dizem que devemos esquecer o passado.

Tentei, mas tinha pudim de coco ralado lá no Quilão novamente hoje.

Se pequei, Senhor, tenho ótimas desculpas.

LIC, 30 abril 2024

ORGULHO

 

O gatilho foi acionado por uma mensagem via WhatsApp.

Já tinha a intenção de escrever sobre o orgulho.

Há tempo, venho colhendo informação com quem entende do assunto - Agostinho de Hipona, Gregório Magno, Tomás de Aquino, Tereza d'Ávila, Ignacio Larrañaga e tantos outros....

Antes desses sábios, em priscas eras anteriores a Cristo, os gregos personificaram o orgulho, a soberba, na lendária rainha Niobe.

Niobe, orgulhosa por ter fecundado 7 filhos e 7 filhas, declarou que era superior à deusa Leto, que tivera apenas um filho e uma filha (Apolo e Ártemis).

Não cabe aqui e agora  entrarmos no mérito da razão de seu orgulho.

Vale lembrar que os mitos remontam aos primórdios da civilização e o mito de Niobe, como todos os mitos, cuida de explicar os problemas existenciais que nos afligem, pobres mortais.

Li, reli, refleti, meditei e a constatação de que o orgulho é parte da condição humana, me aliviou - não estou sozinha nessa história.

É da nossa humanidade o apetite desordenado da própria excelência, o desejo de se elevar acima do outro, o amor-próprio exacerbado.

Estimulado pelas redes sociais, o orgulho é uma moeda em alta. O ser humano está enfeitiçado por si mesmo.

Como nosso mundo é dual - só existe sombra porque há luz - fui procurar o que se opõe ao orgulho.

Todos que citei acima concordam que o reverso é a humildade, uma moeda desvalorizada e fora de circulação hoje em dia.

Porque, como disse Teresa d'Ávila, "somos mais amigos de prazeres que de cruzes".

LIC, 4 maio 2024

sexta-feira, 3 de maio de 2024

POR NADA

Por um nada, me entristeci. Não, não foi por um nada porque, se tivesse sido por um nada, não teria me entristecido.

Nem quero me lembrar desse nada que não foi um nada pra não me entristecer novamente.

Assim como esse nada chegou, ele foi embora. Modo de dizer. O Jung diz que tudo fica guardadinho no inconsciente, nos dois - o pessoal e o coletivo.

Estou lidando com os dois na terapia e, seguindo o conselho do Gurgel, o Rodrigo, escrevendo "Meu querido diário..."

Ele, o Gurgel, não meu diário, diz que escrever é, muitas vezes, exorcizar-se.

Pois é o que estou fazendo, para expulsar aquele nada que me colocou diante desta página em branco.

Estava em branco e poderia ficar recheada de pensamentos porque, naquele instante, quando aquele nada me entristeceu, minha mente deu 100 voltas ao redor do mundo, com impressionantes saltos acrobáticos, do passado para o presente, do presente para o futuro.

LoucaMente!

Nem vou escrever aqui um tantinho desse turbilhão. Precisaria mais do que uma página em branco.

Vamos ao episódio seguinte.

Meu celular tocou. Levei um susto e aterrissei daquele voo acrobático. Era meu pai.

Minha LoucaMente se aquietou por um outro nada, que, dessa vez, me alegrou. Até sorri.

Então, o primeiro nada mergulhou no pedaço submerso do iceberg.

Se algum dia ele tentar emergir, volto a escrever e, quem sabe, o telefone volta a tocar.

É assim que acontece, é assim que vou levando a vida - de nadas em nadas que ora me alegram, ora me entristecem.

LIC, 3 maio 2024