quarta-feira, 8 de maio de 2024

TIA BRIGIDA

A mesa está posta na sala de jantar porque seremos sete: meus pais, meus três irmãos, eu e tia Brigida, minha tia dos domingos.

Era de seus hábitos e costumes almoçar em nossa casa aos domingos.

Chegava pontualmente às onze horas. Para tanto, pegava o ônibus que passava às dez no ponto em frente do mosteiro de São Bento, onde assistia a missa das 9h.

O rigor na pontualidade obrigava tia Brigida a receber a benção de costas, já do lado de fora da igreja, nas escadarias.

Por esse despropósito, pedia perdão, contrita e cegamente confiada no juízo sensato de Deus.

Era alta, magra, sem elegância. A falta de exposição ao sol tornara seu rosto pálido amarelado. Muitas rugas marcavam o horizonte da sua testa. Seus olhos pequenos, encovados, sombreados por finas sobrancelhas, me contavam e recontavam seu passado. 

Fora casada e tivera filhos. Dois meninos, gêmeos prematuros, que morreram com poucos dias de vida.

Depois de seguidos anos marcados por abortos, conseguiu convencer o marido pela adoção. Com sete anos, o menino, era um outro menino, morreu tísico.

O marido, já infiel, por fim desertou.

Mas... tia Brigida sempre me pareceu feliz. Por vezes, sorria.

Na inutilidade dos domingos, ela continuamente era o ponto de partida das minhas indagações metafísicas - que viemos fazer aqui, quem somos, de onde viemos, para onde vamos?

Tia Brigida já não vem almoçar aos domingos, mas as perguntas continuam. São definitivas.

As respostas continuam provisórias, ainda hoje.

Coisas de domingo.

LIC, 8 maio 2024

2 comentários:

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