segunda-feira, 3 de junho de 2024

O UMBIGO

Da minha infância, tenho poucas lembranças.

Uma boneca que andava sozinha - a Andinha - presente de Natal da minha avó Ignes.

Eram os anos 1960 e o Papai Noel já não passava mais lá em casa. Então, a vovó assumiu seu lugar.

Pois é dessa avó que lembro um fato engraçado. Ela vivia contando casos.

Foi numa tarde de sol. Estávamos no quintal, fazendo nada, só tomando sol.

Vovó começou a contar uma história que disse ser verdadeira.

"Eu não nasci como todo mundo. Não tenho umbigo."

Como Tomé, eu quis ver pra crer.

"Deixa eu ver, vó!"

Ela não deixava e sorria.

Eu passei alguns dias me perguntando como era possível aquilo, não ter umbigo?! Então, como ela tinha nascido?!

De tanto insistir, ela resolveu provar que era verdade. Eu vi e acreditei: no lugar do umbigo, tinha apenas um remendo mal feito.

Como eu sabia que meus irmãos tinham umbigo, meus pais tinham umbigo, eu tinha umbigo, a conclusão foi que minha avó nascera num outro planeta.

Passaram-se anos e o mistério foi desvendado quando eu tive uma hérnia umbilical.

Hoje, eu tenho uma cicatriz mal feita igual a dela no lugar do meu umbigo, essa cicatriz perfeita que todos os nascidos neste Planeta têm.

E que, não sendo um órgão, serve apenas para me lembrar que um dia minha dimensão corporal esteve visceralmente ligada a um outro ser, numa conexão e relação total de dependência. Eu não criei a mim mesma.

Lembrei de Adão e Eva. Com certeza, eles também tinham umbigo.

LIC

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