Na primeira vez que vi a propaganda, ignorei. Na segunda, pensei que talvez fosse interessante. Na terceira, passei a desejar e, por fim, ...
Não sei se é sinal de velhice ou consequência da jornada dupla de trabalho. Durmo rapidamente diante da televisão. Meu relógio biológico libera melatonina após dez minutos de exposição televisiva.
Depois do jantar, deitada no comprido do sofá, comecei a zapear. Parei no canal que prometia Cultura, Povos, Lugares.
Naquela noite, passeei por Veneza, a Sereníssima. Enquanto gôndolas deslizavam pelos canais ao som do “Sole Mio”, quase caindo nos braços de Morfeu, me vi com um longo vestido dourado, que me distinguia das mulheres mundanas, ao lado de Marino Faliero, o 55º Doge de Veneza, decapitado a mando da nobreza veneziana em 1355. Passávamos pela igreja de São Marcos, onde se encontra o corpo do Evangelista.
Foi quando vi o gondoleiro se levantar e, segurando o remo, como se fosse um punhal, escutei:
“Apresentamos a revolucionária Penalli Poly Pen, esta incrível caneta tinteiro com uma exclusiva ponta de irídio, construída com precisão da engenharia suíça e design italiano. Resistente, durável, indestrutível, a Penalli Poly Pen serve para canhotos ou destros e escreve em todas as direções".
Irritada com essa intromissão mercantilista, desliguei a televisão e fui dormir na cama.
No dia seguinte, a história se repetiu. Estávamos na Bélgica, em Bruxelas, comendo as enormes e melhores batatas fritas da Europa, com maionese. Em Bruges, têm um museu dedicado a elas, o Frietmuseum.
Ele apareceu de novo. Eu ainda estava desperta. Em dois minutos, falando sem parar nem para respirar, me ofereceu mundos e fundos. Comprando-a, eu receberia mais quatro Penalli Poly Pen grátis: uma esferográfica executiva, tipo roller que escrevia em praticamente qualquer superfície e até de cabeça para baixo; uma graciosa e elegante caneta feminina perfeita para todas as bolsas; uma bela lapiseira; e uma Penalli que escrevia em verde, vermelho e azul.
Me perguntou se eu sabia quanto eu teria que pagar. “Sei lá”, pensei. “Quem disse que eu vou comprar?!”
“Ela será sua por três vezes R$ 90”, anunciou.
Desliguei a televisão. “Pensa que eu sou trouxa? Vê lá se eu vou acreditar nisso tudo! Como dizia minha avó, ‘ninguém dá ponto sem nó’. Ou seria ‘esmola demais até santo desconfia’? Mas aposto que tem gente que compra.”
No terceiro dia de cochilo na frente da televisão, eu estava na África, na savana, pertinho das sete toneladas de um elefante tão meigo quanto grande. Ele é o maior animal terrestre vivo. E o elefantinho já nasce pesadinho: 90 a 120 kg. Também, fica na barriga da mãe quase dois anos!
"Se você for uma das primeiras cem pessoas a ligar, ganhará uma caneta para talão de cheques.”
Era ele de novo.
"Ah! Dessa eu preciso, ia ficar super bonita na minha carteira nova."
"Mas, espere, ainda tem mais! Ligue dentro dos próximos 10 minutos e receba também 65 refis grátis e o certificado de garantia.”
Aceitavam cartões Visa, Diners, Credicard, American Express. O meu estava numa boa data, pra daqui 45 dias. Será que eu tinha chance? Estaria entre as cem primeiras pessoas a ligar? Já eram 11 horas da noite.
“Poucas pessoas estarão acordadas a esta hora da noite dispostas a comprar uma Penalli Poly Pen”, conjecturei.
Eu tinha chance e nove minutos.
Obedeci. Minhas Penalli Poly Pen chegam daqui cinco dias, made in China, a maior fabricante de canetas do mundo.
LIC
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