terça-feira, 11 de junho de 2024

NA SALA VIP

Como recomendado pela companhia aérea, ela chegou três horas antes do horário agendado para a partida.

O avião não. O painel indicava que seu voo atrasaria por causa das condições climáticas.

Só restava esperar.

Procurou pela Sala VIP que seu cartão de crédito lhe dava direito.

Entrou. Tinha uma profusão de gente, passageiros do seu voo e de outros três, atrasados pelo mesmo motivo.

Encontrou uma única poltrona reclinável vaga. Aproveitaria para tirar um cochilo, pois o dia no consultório fora estressante.

“Dá licença?” Sorriu pra mãe e pra menininha. A mãe ajeitou a menininha tirando seu pezinho da poltrona.

Agradeceu laconicamente. Não estava a fim de conversa mole nem se o Brad Pitt fosse o interlocutor. 

“Seu voo também está atrasado? Era a mãe querendo puxar conversa.

"Está", respondeu, evitando detalhes desnecessários.

"O meu também. Quando a gente está sozinha, tudo bem, né? Mas com criança... A Bia é hiperativa. A psicóloga diagnosticou o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Mas um TDAH leve, graças a Deus!”

“Mãe, o avião já chegou?” Era a menininha com TDAH.

“Não, querida. Você quer água? Quer biscoito? Quer um chocolate? Tá com frio? Quer fazer xixi? Põe o tênis, Bia.”

 “Acho que o TDAH é hereditário", ela pensou.

“É seu primeiro filho?” Era a mãe retomando a conversa quando voltaram do banheiro.

“Sim." Mais uma vez, a resposta foi curta e grossa.

“De quantos meses?” Era a mãe querendo esticar o assunto.

“Seis."

"Que coincidência! Eu também. Vai nascer em dezembro então! Como o meu.”

Para evitar que a coincidência gerasse familiaridade, precisou responder com uma frase completa. "Está previsto para o começo de janeiro."

“Ah, o primeiro sempre adianta. A Beatriz era pro comecinho de junho. Nasceu no dia 25 de maio. Que maravilha, não é? Em dezembro, no Natal. Será um presente do Papai Noel, não é Bia?”

"Eu quero a Baby Alive que fala.” Era a menininha corrigindo a mãe enquanto esfarelava o biscoito sobre a poltrona.

"A Bia sempre faz isso. A psicóloga ensinou que as crianças precisam sentir a textura do que vão comer." Era a mãe, com um sorriso amarelo, explicando o farelo.

Voltando ao tema anterior, a mãe continuou o monólogo. "Ela não gosta muito de falar sobre o bebê. Mas a psicóloga orientou pra não escondermos nada. Apesar de ela só ter 5 anos, já é uma mocinha. Nós conversamos sobre tudo abertamente. O diálogo é muito importante. Bia, cuidado!”

Era a menininha que acabara de derrubar o copo de Coca-Cola sobre o chão atapetado da Sala VIP.

"É o meu primeiro filho com meu segundo marido. Ele é um pai muito amoroso pra Bia."

"Mas ele não é meu papai." Era a Bia que sabia de tudo e um pouco mais.

"Eu sei, querida. Agora você tem dois papais, não é legal? O Roberto é seu papai biológico e o Maurício é seu papai socioafetivo."

A menininha, quando ouviu isso, desandou a chorar, e chorar com tudo que tinha direito, incluindo lágrimas e ranho.

"A psicóloga quer que a gente use os termos exatos, sem contos de fadas." Era a mãe, tentando fazer a Bia parar de chorar e explicando aqueles palavrões.

Aproveitando a crise de choro da menininha, ela levantou de mala e cuia rapidamente.

Quando anunciaram seu voo, lá estava ela, profundamente adormecida numa poltrona desconfortável, na sala de embarque dos VUPs (Very Unimportant Persons).

LIC

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