Era 7h de uma manhã fria de junho. Eu estava voltando da padaria.
O Genival abriu o portão e veio me entregar a conta de energia elétrica.
"Quando o Manoel volta?" Assinei o recebimento e aproveitei pra perguntar. O Manoel é o faxineiro do prédio e tão bom faxineiro que a gente nota sua ausência.
"Só no fim do mês. Foi pra terra dele, Limoeiro, dançá a quadrilha. Lá tem festa e forró o mês todo."
"É mesmo. Já me disseram. As moças que trabalharam aqui em casa tiravam férias sempre nesse mês por causa disso."
"Também nasci lá, em Limoeiro, no Pernambuco. Mas tenho alma de Deus, não quis ficá por lá."
"Terra de cangaceiros, do Lampião e da Maria Bonita?"
"Num tem mais, não. Agora tem dotor que cria gado. Tinha muito. Meu primo, o Josenildo, da minha idade, matou 17 pessoas. Mataram o pai dele, resolveu matar também. Criô gosto. Até eu ele quis matá. Prometeu e me disse."
"Seu primo? Por quê, Genival?"
"Ciumera. Eu cuidava das baia, fui profissional de amansar cavalo bravo, os do coronel. Por isso, eu era mais achegado do que ele do coronel Artur Correia de Oliveira, o dono do engenho Pariri. Foi deputado, foi prefeito. Num prestava não, mas era bom pros que trabalhavam pra ele."
"Como ele tentou te matar?"
"Eu dormia numa rede, num quartinho só meu, do lado das baia. Ele, da janela, no escuro, deu 10 tiros, furou toda a rede. Naquela noite, eu tinha saído pro baile na cidade. Coisa de Deus."
"O Josenildo, quando me viu notro dia, até perguntou, discarado que era, 'Cê num morreu, não?'."
Eu tinha que subir com o pão e o leite. Estava quase na hora das crianças irem pra escola. Precisava encurtar a história.
"O Josenildo ainda está vivo?"
"Tá não. Ele mudou de engenho, foi trabalhar de tratorista no Areia Branca, ele era tratorista, arava a terra. Continuou briguento e ruim. Matou o galo de briga que matou o galo de briga dele numa rinha. E atirou também no dono do galo. Que não morreu, mas prometeu, quando saísse do hospital, matar o Josenildo. Dito e feito. Levou cinco tiros de espingarda no peito."
Cheguei no meu apartamento me perguntando: "Será que tem gente que já nasce com ruindade no coração? Ou é coisa do diabo, como dizia tia Brigida? Gente ruim eu conheço. Mas... diabo, será que existe?"
Há controvérsias.
LIC
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