sábado, 15 de junho de 2024

OS OLHOS DO ARTHUR

O coelho da Carolina perdeu os dois olhos.

"Vovó, tem que ser azul. O olho do Arthur era azul."

Fomos procurar dois olhos azuis pro Arthur na minha caixa de costura.

Estava uma bagunça, tudo misturado: carretéis de linhas, agulhas de diversos tipos, almofadinhas pra prender as agulhas bordadas pela dona Lúcia, alfinetes, zíperes, colchetes de pressão e de gancho, vitrilhos, a tesoura preta da vó Zefina, uma fita métrica, o dedal dourado da minha mãe, a navete de prata da tia Leny, os botões, muitos botões da vó Ignez.

Enquanto a Carolina escolhia os olhos pro Arthur, eu fui até o quartinho de costura da minha mãe.

Era um quartinho ao lado da cozinha. De manhã até a tardinha, ela ficava por lá fazendo o que mais gostava: costurando. Meus vestidos, seus vestidos, as camisas sociais e as cuecas samba canção do meu pai, o corpete da vovó, as calças dos meus irmãos e uma e outra roupa pras vizinhas.

Aprendeu a costurar costurando roupas pra sua boneca. Tinha uma.

Em 1974, descobriu a revista Burda Style, que existe até hoje, com moldes para roupas inspirados nos designers famosos. Criou estilo e as encomendas aumentaram.

Depois da escola, era nesse quartinho que eu fazia a lição de casa, escutando as notícias do Brasil e do mundo pelo radinho que ficava ligado o tempo todo. Foi ele que nos deu a notícia do assassinato de John Kennedy.

Pra me incentivar a costurar, quando me casei, minha mãe me deu uma máquina de costura elétrica. A dela era de pedal, uma Singer.

Pra não decepcioná-la, até tentei. Fiz o curso básico na Sigbol - "siga as bolinhas e, assim, desenhe o seu próprio molde" - é o que anunciavam e davam garantia de aprendizado.

Comigo não funcionou. Só sei fazer barra e pregar botão.

"Vovó, vou colocar estes." Era a Carolina que escolhera os novos olhos do Arthur.

Precisei sair do quartinho. Ainda teria muito mais a contar sobre o que aconteceu por lá. Numa próxima crônica talvez.

O Arthur ficou lindo, parecendo o Elton John com um de seus óculos reluzentes. A Carolina escolheu os dois maiores botões dourados da minha caixa de costura!

LIC

Um comentário:

  1. Que bela e delicada crônica... um tema sobre a carinhosa relação de avós, mães e netas, com um texto primoroso. Parabéns !

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