O coelho da Carolina perdeu os dois olhos.
"Vovó, tem que ser azul. O olho do Arthur era azul."
Fomos procurar dois olhos azuis pro Arthur na minha caixa de costura.
Estava uma bagunça, tudo misturado: carretéis de linhas, agulhas de diversos tipos, almofadinhas pra prender as agulhas bordadas pela dona Lúcia, alfinetes, zíperes, colchetes de pressão e de gancho, vitrilhos, a tesoura preta da vó Zefina, uma fita métrica, o dedal dourado da minha mãe, a navete de prata da tia Leny, os botões, muitos botões da vó Ignez.
Enquanto a Carolina escolhia os olhos pro Arthur, eu fui até o quartinho de costura da minha mãe.
Era um quartinho ao lado da cozinha. De manhã até a tardinha, ela ficava por lá fazendo o que mais gostava: costurando. Meus vestidos, seus vestidos, as camisas sociais e as cuecas samba canção do meu pai, o corpete da vovó, as calças dos meus irmãos e uma e outra roupa pras vizinhas.
Aprendeu a costurar costurando roupas pra sua boneca. Tinha uma.
Em 1974, descobriu a revista Burda Style, que existe até hoje, com moldes para roupas inspirados nos designers famosos. Criou estilo e as encomendas aumentaram.
Depois da escola, era nesse quartinho que eu fazia a lição de casa, escutando as notícias do Brasil e do mundo pelo radinho que ficava ligado o tempo todo. Foi ele que nos deu a notícia do assassinato de John Kennedy.
Pra me incentivar a costurar, quando me casei, minha mãe me deu uma máquina de costura elétrica. A dela era de pedal, uma Singer.
Pra não decepcioná-la, até tentei. Fiz o curso básico na Sigbol - "siga as bolinhas e, assim, desenhe o seu próprio molde" - é o que anunciavam e davam garantia de aprendizado.
Comigo não funcionou. Só sei fazer barra e pregar botão.
"Vovó, vou colocar estes." Era a Carolina que escolhera os novos olhos do Arthur.
Precisei sair do quartinho. Ainda teria muito mais a contar sobre o que aconteceu por lá. Numa próxima crônica talvez.
O Arthur ficou lindo, parecendo o Elton John com um de seus óculos reluzentes. A Carolina escolheu os dois maiores botões dourados da minha caixa de costura!
Que bela e delicada crônica... um tema sobre a carinhosa relação de avós, mães e netas, com um texto primoroso. Parabéns !
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