É de bom hábito que todos os crentes voltem ao seio do Criador e os descrentes caiam nos braços de Morfeu à noite.
Até Tenório, o bêbado daquela aldeia, se recolhia carregando seus farrapos guardados em um saco de lixo a um canto do portal fechado da igreja matriz.
Mas dona Evelyn nem sempre. Sua casa, no alto do Morro do Livramento, era uma tocha acesa nas noites de segunda e de quarta-feira, dias anteriores ao da faxineira, quando ela limpava a casa à noite. Não fazia sentido, mas era assim.
Como outros tem mania de colecionar elefantes, guardar recortes de jornais etc. etc. etc., ela tinha mania de limpeza e, nesse quesito, só confiava em si mesma.
Seu ritual de limpeza noite adentro resultava em olheiras profundas no dia seguinte e a satisfação do dever de casa cumprido.
O marido, seu Fritz, não se incomodava. Tinham 50 anos de convivência.
E as diaristas gostavam demais dela.
Naquela aldeia de 4.000 habitantes, a língua do povo era maior que a cidade. À boca pequena, no disse-que-disse, se comentava sua esquisitice.
Mas, naqueles anos 1950, essa pequena "anormalidade" era considerada apenas como um desvio da “norma”.
Afinal, de médico e louco todo mundo tinha um pouco.
Hoje, porém, sob forte influência da medicalização da vida, que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos, em "doenças”, em “transtornos”, em "distúrbios", ninguém mais pode ser esquisito.
Dona Evelyn seria enquadrada numa letra e num número específico da CID 10, lhe prescreveriam uma droga tarja preta e as noites das segundas e quartas-feiras não seriam mais as mesmas.
LIC
É a realidade atual
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