sábado, 29 de junho de 2024

APENAS UM MENINO


Era uma vez...

Não, não, não. Não era uma vez.

É tudo verdade. Esta é a história de um menino chamado Felipe.

A história é curta porque ele ainda só tem 4 anos.

Mas o Felipe já fez muita coisa, já aprendeu muita coisa, e fala muita coisa, até 'pelos cotovelos'.

Tudo começou quando ele nasceu.

Seus avós, tias e tios estavam ansiosos pra conhecer o Felipe. 

Mas acho que ele não estava com pressa. Pois ficou 42 semanas na barriga da mamãe dele, a Patricia, e não decidia 'dar as caras'.

Quando ele finalmente apareceu – foi na noite de um dia 23 de julho – todo mundo ficou muito feliz. "Que lindinho, que gracinha, benza Deus!", disseram.

Daí em diante, cada vez mais ficava lindinho, uma gracinha. E também foi ficando feliz e sabido. Quietinho nem tanto. 

A mamãe do Felipe, logo que pôde, e não sei porquê, resolveu ensinar pra ele que o mundo tinha números e letras.

Pois não é que o Felipe, quando saia para passear, só via números e letras?!

Mas isso passou quando ele ganhou o primeiro Hot Wheels do avô! 

Hoje, o Felipe vê... carros. Sabe a marca de todos só vendo o símbolo. 

Se as avós dele, pouco sabidas sobre esse assunto, 'chutam' um palpite e acertam, o Felipe responde! "É claro!", como o Chico Bento. 

E o Chico Bento, aquele da Turma da Mônica, mesmo falando 'caipirês', foi quem ensinou o Felipe a ler! Cês creditam?!

O Chico Bento só não conseguiu ensinar o Felipe a comer... de tudo.

Quando ele vê seu irmãozinho de 1 ano, que é 'bom de garfo', comendo legumes e tudo que aparece na sua frente, o Felipe fica admirado. “Nossa, mãe, o Thomas é tão pequeno e já come essas coisas!”

Então, ele promete. “Aliás, quando eu tiver 10 anos, também vou comer de tudo, legume e verdura e cachorro-quente e hambúrguer e batata frita e M&M e Fandangos e Cheetos, até o que tem 'glúter'."

No próximo capítulo, saberemos se ele cumpriu a promessa.

LIC

sexta-feira, 28 de junho de 2024

TIA MARIA

Cruzando o mar
distante
de lá bem longe
Trás-os-Montes
ela veio.

De família nasceu Saldanha
de batismo nasceu Maria
mulher bonita e bondosa 
era minha tia.

Esteve entre nós
e nos deu alegria.
Mas veja o destino
o que fez...

Ficou por bem pouco.
Pois dali 
Trás-os-Montes
não era
nem daqui era também.

LIC, agosto 1998

quarta-feira, 26 de junho de 2024

PENALLI POLY PEN

Na primeira vez que vi a propaganda, ignorei. Na segunda, pensei que talvez fosse interessante. Na terceira, passei a desejar e, por fim, ...

Não sei se é sinal de velhice ou consequência da jornada dupla de trabalho. Durmo rapidamente diante da televisão. Meu relógio biológico libera melatonina após dez minutos de exposição televisiva.

Depois do jantar, deitada no comprido do sofá, comecei a zapear. Parei no canal que prometia Cultura, Povos, Lugares. 

Naquela noite, passeei por Veneza, a Sereníssima. Enquanto gôndolas deslizavam pelos canais ao som do “Sole Mio”, quase caindo nos braços de Morfeu, me vi com um longo vestido dourado, que me distinguia das mulheres mundanas, ao lado de Marino Faliero, o 55º Doge de Veneza, decapitado a mando da nobreza veneziana em 1355. Passávamos pela igreja de São Marcos, onde se encontra o corpo do Evangelista. 

Foi quando vi o gondoleiro se levantar e, segurando o remo, como se fosse um punhal, escutei:

“Apresentamos a revolucionária Penalli Poly Pen, esta incrível caneta tinteiro com uma exclusiva ponta de irídio, construída com precisão da engenharia suíça e design italiano. Resistente, durável, indestrutível, a Penalli Poly Pen serve para canhotos ou destros e escreve em todas as direções".

Irritada com essa intromissão mercantilista, desliguei a televisão e fui dormir na cama.

No dia seguinte, a história se repetiu. Estávamos na Bélgica, em Bruxelas, comendo as enormes e melhores batatas fritas da Europa, com maionese. Em Bruges, têm um museu dedicado a elas, o Frietmuseum. 

Ele apareceu de novo. Eu ainda estava desperta. Em dois minutos, falando sem parar nem para respirar, me ofereceu mundos e fundos. Comprando-a, eu receberia mais quatro Penalli Poly Pen grátis: uma esferográfica executiva, tipo roller que escrevia em praticamente qualquer superfície e até de cabeça para baixo; uma graciosa e elegante caneta feminina perfeita para todas as bolsas; uma bela lapiseira; e uma Penalli que escrevia em verde, vermelho e azul. 

Me perguntou se eu sabia quanto eu teria que pagar. “Sei lá”, pensei. “Quem disse que eu vou comprar?!” 

“Ela será sua por três vezes R$ 90”, anunciou.

Desliguei a televisão. “Pensa que eu sou trouxa? Vê lá se eu vou acreditar nisso tudo! Como dizia minha avó, ‘ninguém dá ponto sem nó’. Ou seria ‘esmola demais até santo desconfia’? Mas aposto que tem gente que compra.”

No terceiro dia de cochilo na frente da televisão, eu estava na África, na savana, pertinho das sete toneladas de um elefante tão meigo quanto grande. Ele é o maior animal terrestre vivo. E o elefantinho já nasce pesadinho: 90 a 120 kg. Também, fica na barriga da mãe quase dois anos!

"Se você for uma das primeiras cem pessoas a ligar, ganhará uma caneta para talão de cheques.”

Era ele de novo.

"Ah! Dessa eu preciso, ia ficar super bonita na minha carteira nova."

"Mas, espere, ainda tem mais! Ligue dentro dos próximos 10 minutos e receba também 65 refis grátis e o certificado de garantia.”

Aceitavam cartões Visa, Diners, Credicard, American Express. O meu estava numa boa data, pra daqui 45 dias. Será que eu tinha chance? Estaria entre as cem primeiras pessoas a ligar? Já eram 11 horas da noite.

“Poucas pessoas estarão acordadas a esta hora da noite dispostas a comprar uma Penalli Poly Pen”, conjecturei.

Eu tinha chance e nove minutos.

Obedeci. Minhas Penalli Poly Pen chegam daqui cinco dias, made in China, a maior fabricante de canetas do mundo.

LIC

terça-feira, 25 de junho de 2024

O SENHOR EPOCLER

O senhor "Epocler" era nosso vizinho, um alcoólatra de fins de semana.

Sua cara ficava vermelha e enrugada como papo de peru, perdia a timidez e "soltava a franga".

Na segunda-feira, curava a ressaca com Epocler.

Porque bebia ninguém sabia. A razão não se tornou pública nem durante seu velório. Há segredos que não consentem serem ditos.

Morreu de morte súbita e o segredo está a sete palmos de terra. Que Deus o tenha! Era boa gente mesmo quando embriagado.

Como uma coisa puxa outra, voltando do enterro, o apelido do "seu" Afonso - esse era seu nome de batismo - me fez lembrar de alguns remédios da minha infância.

Aqueles para doenças e enfermidades em geral, para todas as idades, que as avós conheciam há trocentos anos, a vizinha indicava, a tia recomendava, o dono da farmácia receitava.

Biotônico Fontoura, Melhoral, Alka-Seltzer, Emulsão Scott, Minancora, Leite de Magnésia de Phillips, Merthiolate, 1 Minuto, Fosfosol, Vitasay, Melagrião, Regulador Xavier, Óleo de Ricino, Leiba, compressas, chás, simpatias etc. etc. etc.

Sem acreditar que só os velhos tempos eram sábios, essa breve "revisão histórica" da farmacoterapia me fez pensar.

Será que nossas dores e males, diarreias, azias, anemias, lesões, ressacas, dores de cabeça, intestino preso, problemas de memória mudaram ou a OMS fez a gente mudar?

Desde 1948, para essa organização mundial, saúde passou a ser um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença e enfermidade.

E, pra dar conta dessa plenitude, era preciso muito, muito mais que aquelas "antiguidades".

Então, a farmacoterapia se modernizou e suas panaceias passaram a fazer parte do nosso dia a dia.

No mundo de hoje, as farmácias são tão frequentadas quanto os supermercados.

Pena que o senhor "Epocler" não viveu para crer. Penso que teria parado de se embebedar nos fins de semana.

LIC

sexta-feira, 21 de junho de 2024

DE MÉDICO E LOUCO...

É de bom hábito que todos os crentes voltem ao seio do Criador e os descrentes caiam nos braços de Morfeu à noite.

Até Tenório, o bêbado daquela aldeia, se recolhia carregando seus farrapos guardados em um saco de lixo a um canto do portal fechado da igreja matriz.

Mas dona Evelyn nem sempre. Sua casa, no alto do Morro do Livramento, era uma tocha acesa nas noites de segunda e de quarta-feira, dias anteriores ao da faxineira, quando ela limpava a casa à noite. Não fazia sentido, mas era assim.

Como outros tem mania de colecionar elefantes, guardar recortes de jornais etc. etc. etc., ela tinha mania de limpeza e, nesse quesito, só confiava em si mesma.

Seu ritual de limpeza noite adentro resultava em olheiras profundas no dia seguinte e a satisfação do dever de casa cumprido.

O marido, seu Fritz, não se incomodava. Tinham 50 anos de convivência.

E as diaristas gostavam demais dela.

Naquela aldeia de 4.000 habitantes, a língua do povo era maior que a cidade. À boca pequena, no disse-que-disse, se comentava sua esquisitice.

Mas, naqueles anos 1950, essa pequena "anormalidade" era considerada apenas como um desvio da “norma”.

Afinal, de médico e louco todo mundo tinha um pouco.

Hoje, porém, sob forte influência da medicalização da vida, que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos, em "doenças”, em “transtornos”, em "distúrbios", ninguém mais pode ser esquisito.

Dona Evelyn seria enquadrada numa letra e num número específico da CID 10, lhe prescreveriam uma droga tarja preta e as noites das segundas e quartas-feiras não seriam mais as mesmas.

LIC

terça-feira, 18 de junho de 2024

EM LIMOEIRO

Era 7h de uma manhã fria de junho. Eu estava voltando da padaria.

O Genival abriu o portão e veio me entregar a conta de energia elétrica.

"Quando o Manoel volta?" Assinei o recebimento e aproveitei pra perguntar. O Manoel é o faxineiro do prédio e tão bom faxineiro que a gente nota sua ausência. 

"Só no fim do mês. Foi pra terra dele, Limoeiro, dançá a quadrilha. Lá tem festa e forró o mês todo."

"É mesmo. Já me disseram. As moças que trabalharam aqui em casa tiravam férias sempre nesse mês por causa disso." 

"Também nasci lá, em Limoeiro, no Pernambuco. Mas tenho alma de Deus, não quis ficá por lá."

"Terra de cangaceiros, do Lampião e da Maria Bonita?"

"Num tem mais, não. Agora tem dotor que cria gado. Tinha muito. Meu primo, o Josenildo, da minha idade, matou 17 pessoas. Mataram o pai dele, resolveu matar também. Criô gosto. Até eu ele quis matá. Prometeu e me disse."

"Seu primo? Por quê, Genival?"

"Ciumera. Eu cuidava das baia, fui profissional de amansar cavalo bravo, os do coronel. Por isso, eu era mais achegado do que ele do coronel Artur Correia de Oliveira, o dono do engenho Pariri. Foi deputado, foi prefeito. Num prestava não, mas era bom pros que trabalhavam pra ele." 

"Como ele tentou te matar?"

"Eu dormia numa rede, num quartinho só meu, do lado das baia. Ele, da janela, no escuro, deu 10 tiros, furou toda a rede. Naquela noite, eu tinha saído pro baile na cidade. Coisa de Deus."

"O Josenildo, quando me viu notro dia, até perguntou, discarado que era, 'Cê num morreu, não?'."

Eu tinha que subir com o pão e o leite. Estava quase na hora das crianças irem pra escola. Precisava encurtar a história.

"O Josenildo ainda está vivo?"

"Tá não. Ele mudou de engenho, foi trabalhar de tratorista no Areia Branca, ele era tratorista, arava a terra. Continuou briguento e ruim. Matou o galo de briga que matou o galo de briga dele numa rinha. E atirou também no dono do galo. Que não morreu, mas prometeu, quando saísse do hospital, matar o Josenildo. Dito e feito. Levou cinco tiros de espingarda no peito."

Cheguei no meu apartamento me perguntando: "Será que tem gente que já nasce com ruindade no coração? Ou é coisa do diabo, como dizia tia Brigida? Gente ruim eu conheço. Mas... diabo, será que existe?"

Há controvérsias.

LIC

domingo, 16 de junho de 2024

NO MINHOCÃO


Eu estava fazendo o curso de Lógica de Programação com a Sandra Maciel desde dezembro.

Naquela época, ela morava no 7° andar, apartamento 73,  do edifício Abreu Sodré, na avenida São João n° 2035, bairro de Santa Cecília.

O Minhocão passa por cima da rua Amaral Gurgel e dessa avenida.

Naquele trecho da São João, mora muita gente sob o viaduto, no espaço central da avenida, entre as colunas do elevado.

Era segunda-feira. Dia de aula.

Desci do ônibus e fiquei ali, na calçada, debaixo do Minhocão.

Eu sabia que, um pouquinho pra trás de onde eu estava, tinha um semáforo. Quando fosse fechado para os carros, eu poderia atravessar com segurança, tranquilamente.

Foi então que senti alguém se aproximando. Junto veio um bafo de álcool.

Meu olfato é melhor que de cão farejador.

Segurei a bolsa mais fortemente junto ao meu corpo e esperei. O movimento do trânsito - carros, motos, ônibus, ambulância - estava intenso. Não dava pra atravessar.

"Vamo lá, dona. Vamo fazê eles pará!"

Sem pedir licença, o bom samaritano agarrou minha bengala pelo meio e me puxou da calçada pra rua.

"Deus meu", pensei, "se eu soltar da bengala, tô perdida. Se eu não soltar, tudo pode acontecer." Comecei a rezar. "Valha-me, Santa Luzia."

O bom samaritano, me puxando pela bengala, berrava pra qualquer veículo que se aproximasse: "Pára, num tá vendo que a mulhé é cega? Olha a bengala!"

Santa Luzia me valheu. Buzinadas, freadas bruscas, palavrões foram nos acompanhando enquanto atravessávamos as duas pistas, mas chegamos na calçada oposta sem um arranhão.

"Pronto, dona. Tá entregue. Gente sem caridade, né? Na volta, se precisá, tô por aqui."

Agradeci comovida e voltei pra casa de táxi. Vai que Santa Luzia já tivesse encerrado seu expediente... 🤷🏻‍♀️

LIC

sábado, 15 de junho de 2024

OS OLHOS DO ARTHUR

O coelho da Carolina perdeu os dois olhos.

"Vovó, tem que ser azul. O olho do Arthur era azul."

Fomos procurar dois olhos azuis pro Arthur na minha caixa de costura.

Estava uma bagunça, tudo misturado: carretéis de linhas, agulhas de diversos tipos, almofadinhas pra prender as agulhas bordadas pela dona Lúcia, alfinetes, zíperes, colchetes de pressão e de gancho, vitrilhos, a tesoura preta da vó Zefina, uma fita métrica, o dedal dourado da minha mãe, a navete de prata da tia Leny, os botões, muitos botões da vó Ignez.

Enquanto a Carolina escolhia os olhos pro Arthur, eu fui até o quartinho de costura da minha mãe.

Era um quartinho ao lado da cozinha. De manhã até a tardinha, ela ficava por lá fazendo o que mais gostava: costurando. Meus vestidos, seus vestidos, as camisas sociais e as cuecas samba canção do meu pai, o corpete da vovó, as calças dos meus irmãos e uma e outra roupa pras vizinhas.

Aprendeu a costurar costurando roupas pra sua boneca. Tinha uma.

Em 1974, descobriu a revista Burda Style, que existe até hoje, com moldes para roupas inspirados nos designers famosos. Criou estilo e as encomendas aumentaram.

Depois da escola, era nesse quartinho que eu fazia a lição de casa, escutando as notícias do Brasil e do mundo pelo radinho que ficava ligado o tempo todo. Foi ele que nos deu a notícia do assassinato de John Kennedy.

Pra me incentivar a costurar, quando me casei, minha mãe me deu uma máquina de costura elétrica. A dela era de pedal, uma Singer.

Pra não decepcioná-la, até tentei. Fiz o curso básico na Sigbol - "siga as bolinhas e, assim, desenhe o seu próprio molde" - é o que anunciavam e davam garantia de aprendizado.

Comigo não funcionou. Só sei fazer barra e pregar botão.

"Vovó, vou colocar estes." Era a Carolina que escolhera os novos olhos do Arthur.

Precisei sair do quartinho. Ainda teria muito mais a contar sobre o que aconteceu por lá. Numa próxima crônica talvez.

O Arthur ficou lindo, parecendo o Elton John com um de seus óculos reluzentes. A Carolina escolheu os dois maiores botões dourados da minha caixa de costura!

LIC

sexta-feira, 14 de junho de 2024

AS CARTAS NÃO MENTEM JAMAIS

Ele era o primeiro morador a sair pra rua. Às 5h pontualmente.

"Bom dia, Genival."

"Bom dia, seu Aristarco."

Em seguida, ele perguntava: "Alguma carta pra mim?".

Todo dia, tudo sempre igual, fosse primavera, verão, outono, inverno, primavera...

”Não, seu Aristarco.”

Além dessa rotina diária, chamava a atenção sua figura física. Estava sempre de terno e camisa social. Era alto, corpulento, olhos saltados, cabelo ralo. Um homem feio, acometido por tristeza e uma sensação de descontentamento.

Uma hora depois, seu Aristarco estava de volta com o pão e o leite.

Eu não o veria mais durante aquele dia, somente às quartas-feiras, quando seu Aristarco saia de carro e voltava com compras do supermercado.

De quem seria a carta pela qual ele tanta esperava?

Eu estava trabalhando naquele prédio há um ano.

Seu Aristarco fazia 5 anos que morava lá, mas pouco se sabia sobre ele.

Arredio, evitava o contato e a convivência com os moradores, me contaram.

Era inacessível a conversas de elevador. Respondia com nada além de um bom dia ou boa tarde e abaixava o olhar para impedir prosseguimento. 

Parecia não ter amigos ou outros familiares. Ninguém o visitava.

Naquele dia, chegou uma carta pra seu Aristarco. No finalzinho da tarde. Foi o Zé Augusto, o porteiro das 14h, que recebeu a correspondência.

Sabendo do seu desejo diário, de pronto interfonou pro seu apartamento.

Seu Aristarco desceu rapidamente. Sua espera chegara ao fim. Era tanta a ânsia em ler que, contrariando seu jeito introvertido, abriu a carta na frente do Zé Augusto.

À medida que lia, o Zé Augusto me contou, seu rosto foi se transformando. Era visível o impacto que a leitura daquelas páginas lhe causava.

Seu corpanzil se curvou e, me contou o Zé Augusto, "parecia que ia desmaiar".

Visivelmente transtornado, como um sonâmbulo, subiu pelo elevador de serviço, sem ao menos responder ao boa noite da dona Lourdes, sua vizinha de andar.

Seu Aristarco não desceu hoje às 5h da manhã.

Quando a perícia chegou, dona Lourdes disse que ouvira o som de um tiro. "Foi, mais ou menos, à meia-noite. Eu tinha adormecido no sofá. Acordei assustada, mas pensei que era no faroeste que eu estava assistindo."

Encontraram apenas um pedaço intacto da carta queimada com estas duas palavras... "para sempre".

LIC

quarta-feira, 12 de junho de 2024

MEU AVÔ ERA UM MÁGICO

IL GRANDE LORENZO

”Respeitável público, agora, apresentaremos a maior atração desta noite!”

Era meu pai, anunciando "Il grande Lorenzo, o mágico que veio de longe"!

“Meu avô nasceu em Pádova, é longe mesmo”, eu lembrei.

Aplausos, e vaias dos filhos mal-educados da tia Gioconda.

Il grande Lorenzo apareceu, saído do banheiro masculino, de calça e capa de cetim preto, blusa branca engomada, gravata borboleta vermelha, cartola e sua poderosa varinha de condão.

“Sai da frente, Giancarlo! Mãe, manda o Giancarlo sentar!” Era um dos filhos malcriados da tia Gioconda, de pé na frente de todas as crianças. 

Meu avô se inclinou em reverência diante de todos nós com a cartola na mão. Eu vi, estava vazia.

De repente, não mais que de repente, falando as palavras mágicas “Sim salabim plim plim, apareça aqui o que estava ali” e girando a varinha sobre sua cartola, Il grande Lorenzo fez sair de lá um lenço, dois lenços, mil lenços coloridos – amarelos, vermelhos, verdes, laranjas, azuis, violetas.

Foi o primeiro de mais dez truques de mágica. Teve a mágica do copo flutuante, a da mão falsa, a do elevador de anel e a dos elásticos fugitivos.

Pra finalizar o show, meu avô disse que precisava de um voluntário.

”Eu, eu”, começaram a gritar o Giancarlo e o Giuseppe, os filhos endiabrados da tia Gioconda.

Il grande Lorenzo me escolheu. Ele sabia que era meu aniversário!

Os filhos da tia Gioconda começaram  a chorar. “Que meninos mimados”, escutei minha mãe dizer. 

Meu pai entrou em cena novamente.

”Respeitável público, atenção, atenção! Il grande Lorenzo fará a mágica mais incrível desta noite! O Tom vai sumir e reaparecer em seguida.”

Meu avô trouxe uma caixa do meu tamanho, eu entrei, ele fechou a caixa.

"Abracadabra! Alakasam!" Depois de tocar com sua varinha, abriu a caixa e eu não estava mais lá.

O Giuseppe e o Giancarlo quiseram ver de perto. "Ô meninos chatos!" Entraram na caixa e, infelizmente, não desapareceram.

Meu avô fechou a caixa, disse as palavras mágicas "Abracadabra! Alakasam!", volteou a varinha sobre a caixa, abriu e eu reapareci.

Uau! O respeitável público aplaudiu, il grande Lorenzo agradeceu e fomos cantar parabéns!

O Giuseppe e o Giancarlo  ficaram o resto da festa me perguntando como era o truque. Eu não contei, é claro! Tinha feito um voto de confidencialidade com meu avô.

Mas.. apesar de termos treinado antes da festa, eu fiquei com medo de desaparecer e bem no dia do meu aniversário! 

Isso foi há um bom tempo. Quem desapareceu para sempre foi meu querido grande Lorenzo. Esse foi o último espetáculo antes do fim da sua temporada.

Lembrei disso tudo hoje porque o Giuseppe, irmão do Giancarlo, me telefonou.

"Tommaso, descobri no Google como seu avô fez você desaparecer!"

Que pena! O Google ainda vai acabar com a magia do mundo.

LIC

terça-feira, 11 de junho de 2024

NA SALA VIP

Como recomendado pela companhia aérea, ela chegou três horas antes do horário agendado para a partida.

O avião não. O painel indicava que seu voo atrasaria por causa das condições climáticas.

Só restava esperar.

Procurou pela Sala VIP que seu cartão de crédito lhe dava direito.

Entrou. Tinha uma profusão de gente, passageiros do seu voo e de outros três, atrasados pelo mesmo motivo.

Encontrou uma única poltrona reclinável vaga. Aproveitaria para tirar um cochilo, pois o dia no consultório fora estressante.

“Dá licença?” Sorriu pra mãe e pra menininha. A mãe ajeitou a menininha tirando seu pezinho da poltrona.

Agradeceu laconicamente. Não estava a fim de conversa mole nem se o Brad Pitt fosse o interlocutor. 

“Seu voo também está atrasado? Era a mãe querendo puxar conversa.

"Está", respondeu, evitando detalhes desnecessários.

"O meu também. Quando a gente está sozinha, tudo bem, né? Mas com criança... A Bia é hiperativa. A psicóloga diagnosticou o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. Mas um TDAH leve, graças a Deus!”

“Mãe, o avião já chegou?” Era a menininha com TDAH.

“Não, querida. Você quer água? Quer biscoito? Quer um chocolate? Tá com frio? Quer fazer xixi? Põe o tênis, Bia.”

 “Acho que o TDAH é hereditário", ela pensou.

“É seu primeiro filho?” Era a mãe retomando a conversa quando voltaram do banheiro.

“Sim." Mais uma vez, a resposta foi curta e grossa.

“De quantos meses?” Era a mãe querendo esticar o assunto.

“Seis."

"Que coincidência! Eu também. Vai nascer em dezembro então! Como o meu.”

Para evitar que a coincidência gerasse familiaridade, precisou responder com uma frase completa. "Está previsto para o começo de janeiro."

“Ah, o primeiro sempre adianta. A Beatriz era pro comecinho de junho. Nasceu no dia 25 de maio. Que maravilha, não é? Em dezembro, no Natal. Será um presente do Papai Noel, não é Bia?”

"Eu quero a Baby Alive que fala.” Era a menininha corrigindo a mãe enquanto esfarelava o biscoito sobre a poltrona.

"A Bia sempre faz isso. A psicóloga ensinou que as crianças precisam sentir a textura do que vão comer." Era a mãe, com um sorriso amarelo, explicando o farelo.

Voltando ao tema anterior, a mãe continuou o monólogo. "Ela não gosta muito de falar sobre o bebê. Mas a psicóloga orientou pra não escondermos nada. Apesar de ela só ter 5 anos, já é uma mocinha. Nós conversamos sobre tudo abertamente. O diálogo é muito importante. Bia, cuidado!”

Era a menininha que acabara de derrubar o copo de Coca-Cola sobre o chão atapetado da Sala VIP.

"É o meu primeiro filho com meu segundo marido. Ele é um pai muito amoroso pra Bia."

"Mas ele não é meu papai." Era a Bia que sabia de tudo e um pouco mais.

"Eu sei, querida. Agora você tem dois papais, não é legal? O Roberto é seu papai biológico e o Maurício é seu papai socioafetivo."

A menininha, quando ouviu isso, desandou a chorar, e chorar com tudo que tinha direito, incluindo lágrimas e ranho.

"A psicóloga quer que a gente use os termos exatos, sem contos de fadas." Era a mãe, tentando fazer a Bia parar de chorar e explicando aqueles palavrões.

Aproveitando a crise de choro da menininha, ela levantou de mala e cuia rapidamente.

Quando anunciaram seu voo, lá estava ela, profundamente adormecida numa poltrona desconfortável, na sala de embarque dos VUPs (Very Unimportant Persons).

LIC

quarta-feira, 5 de junho de 2024

NOSTRADAMUS JÁ SABIA

Era muito bonita, com dicção perfeita e postura adequada ao horário.

E que senso de humor! Senão, como poderia ter desejado boa noite a todos os seus telespectadores sorrindo depois daquela notícia?!

"O Mar do Norte está sendo poluído por material radioativo de um submarino nuclear naufragado em 1989 através da sua fuselagem corroída pela ação do mar. Quarenta e dois homens morreram no acidente na ocasião e calcula-se que as proporções de um desastre ecológico futuro serão maiores que o de Chernobyl."

Sozinho, com a imagem daquela geringonça vingativa gravada no cérebro, me senti invadido pelo lixo do nosso progresso.

Nos detalhes da notícia, fiquei sabendo que era um super submarino, transportando dois mísseis com ogivas nucleares, daqueles que no dia do batismo a imprensa noticia e a nação que o gerou garante, de pés juntos, ser o mais seguro, perfeito e avançado do mundo. Lembram-se do Titanic?

Pois bem. Depois de tantos anos de esquecimento, ele agora resolvera se vingar de quem o criara para a glória e o levara à ruina. E, por essa raiva irracional, todos nós "pagaremos o pato".

Minha bela e ingênua repórter! Como poderei, de hoje em diante, ter boas noites, bons dias ou boas tardes? Não lhe ensinaram que no nosso mar, deste Brasil abençoado, há gotinhas e gotinhas desse infeliz Mar do Norte? Lua vai, lua vem, o mar também.

Aliás, como todos os seres vivos deste Planeta, somos totalmente dependentes do meio ambiente - céu, ar, água, terra, mar - para sobreviver e veja você o que estão fazendo com nosso Jardim do Éden!

Desliguei o televisor e me lembrei: "Sou brasileiro. Tenho esperança. Com certeza o pessoal do Greenpeace foi avisado e já deve estar mexendo seu barquinho".

Consegui, então, me arrastando sob o peso de uma possível desgraça iminente, chegar em meu quarto e adormecer. Não profundamente.

Dia seguinte, a primeira coisa que fiz foi procurar por meus jornais. Assino todos os que dão cupons de desconto, patrocinam eventos, fazem um pouco de tudo pra ganhar leitores. Afinal, sou um cidadão desta aldeia global e preciso saber o que se passa por aqui.

Nas primeiras páginas... nada! Na  seção de ciência e saúde... nada! Na seção mundo... nem uma notinha de rodapé. Li tudo: horóscopo, coluna social, economia, notas de falecimento, esportes, nas linhas e entrelinhas. Só encontrei acidentes de superfície: corrupção, assassinatos, futebol.

"Não é possível", reagi indignado. "Será que ninguém mais vai à praia nem come bacalhau na sexta-feira santa? O Mar do Norte está morrendo e nós também."

O Mar do Norte é um mar do oceano Atlântico entre a Noruega, a Dinamarca e outros países do lado de lá. 

Minha indignação crescia na mesma proporção da minha tristeza. Eu folheava de trás pra frente, de frente pra trás, desesperançado, quando uma manchete me paralisou: Stallone chega para acabar com o futuro do mundo - "O Demolidor".

Aí estava a explicação para tanta indiferença. Já tinham contratado alguém para acabar de vez com a humanidade.

Dá-lhe Rambo!

LIC, nov. 1993

World Environment Day 2024


World Environment Day 2024


Terra é vida. É o chão em que pisamos e o solo que nos alimenta. Mas nossas terras estão se degradando - em razão do consumo insustentável, da agricultura e da poluição. A degradação da terra afeta negativamente 3,2 bilhões de pessoas.  

Ainda assim, a terra é tolerante. Podemos restaurá-la cultivando árvores e cultivos mais diversificados. Podemos evitar os poluentes e recuperar as fontes de água. 


CRONOS

Todos os seres humanos desejam a imortalidade sem que muitos nem tenham consciência disso.

A metáfora "plante uma árvore, tenha um filho, escreva um livro", mesmo que a ordem dos fatores não seja essa, não altera o produto final: a imortalidade.

São ações que buscam algo que vai além de Cronos, o tempo destrutivo e inexpugnável.

Cronos é o filho mais novo de Urano (o Céu) e de Gaia (a Terra). Ele é um deus atroz, que devora os próprios filhos. Tinha lá seus motivos. Eles viviam às turras lá no Olimpo.

Mas além dessa conclusão primária e prosaica, há uma mais profunda para esse canibalismo mitológico. Cronos rege e devora o destino dos humanos, limita a nossa vida dentro de si.

E ainda que eu meça Cronos com as batidas do coração e não com as do relógio, como sugeriu Rubem Alves, um dia ele me devorará também.

Todo essa digressão pseudoexistencialista teve uma única causa: acordei com meu primeiro fio de cabelo branco.

Ontem, eu não tinha.

Cronos é cheio de surpresas e insaciável.

"Senhor, ensina-nos a contar nossos dias, para que tenhamos um coração sábio!" (Sl 90, 12)

LIC


segunda-feira, 3 de junho de 2024

O ZECA: PET OU CACHORRO?

Certo dia, um cachorrinho entrou no nosso jardim.

Acho que foi durante a noite porque eu só o vi, naquela manhã, ao sair pra comprar o pão nosso de cada dia.

Ele estava bebendo a água do laguinho artificial onde meu marido cria carpas.

Por um segundo, senti que me pedia pra ficar. Me olhou humilde e manso.

Mesmo assim, eu o expulsei do jardim e fechei o portão.

A caminho da padaria, vi que ele me seguia. No caminho de volta, ele me seguiu.

Resolvi lhe dar o que comer, água fresca e despedi-lo pra que seguisse a sua jornada.

Diante da voracidade com que engoliu o arroz com carne moída, parecia que seu estado de fome era secular.

Depois de uma semana de cama, comida e pelo lavado, ele ganhou peso e identidade. Meus filhos lhe deram um nome: Zeca.

Resolvemos "adotá-lo".

O Zeca, mesmo sendo um vira-lata, ou por isso mesmo, era inteligente e afetuoso.

Geralmente, resgatados das ruas, os vira-latas têm um temperamento dócil, são companheiros e mais vigilantes que os outros cães.

Até, por serem fruto de genes que já foram provados, testados e sobreviveram às condições precárias de alimento e abrigo nas ruas, costumam ser muito resistentes e saudáveis.

O Zeca morreu ontem, de velhice. 

Por 15 anos, ele viveu numa casinha lá no fundo do quintal, sempre conosco, sempre vigilante. Sabia o horário de cada um de nós voltar para casa. Era o primeiro a acordar e o último a dormir.

Comia de tudo, até vegetais. Mas ele gostava mesmo é de polenta com bofe, iguaria que minha mãe sempre preparou pra alimentar os inúmeros cachorros que tivemos - comida barata e saudável. O bofe é pulmão bovino, fonte de proteínas, ferro e zinco.

Tomava banho no tanque ou de mangueira de vez em quando nem sempre aos sábados.

Em nenhum lugar do mundo há ou haverá outro cachorro igual ao Zeca. Afinal, ele era um CRDN (Cão de Raça Não Definida). Todo vira-lata é único.

Quando um amiguinho perguntava pro Pedro se ele tinha um Pet, meu filho respondia de pronto: 

"Não, eu só tenho o Zeca. Ele é um cachorro."

LIC

O UMBIGO

Da minha infância, tenho poucas lembranças.

Uma boneca que andava sozinha - a Andinha - presente de Natal da minha avó Ignes.

Eram os anos 1960 e o Papai Noel já não passava mais lá em casa. Então, a vovó assumiu seu lugar.

Pois é dessa avó que lembro um fato engraçado. Ela vivia contando casos.

Foi numa tarde de sol. Estávamos no quintal, fazendo nada, só tomando sol.

Vovó começou a contar uma história que disse ser verdadeira.

"Eu não nasci como todo mundo. Não tenho umbigo."

Como Tomé, eu quis ver pra crer.

"Deixa eu ver, vó!"

Ela não deixava e sorria.

Eu passei alguns dias me perguntando como era possível aquilo, não ter umbigo?! Então, como ela tinha nascido?!

De tanto insistir, ela resolveu provar que era verdade. Eu vi e acreditei: no lugar do umbigo, tinha apenas um remendo mal feito.

Como eu sabia que meus irmãos tinham umbigo, meus pais tinham umbigo, eu tinha umbigo, a conclusão foi que minha avó nascera num outro planeta.

Passaram-se anos e o mistério foi desvendado quando eu tive uma hérnia umbilical.

Hoje, eu tenho uma cicatriz mal feita igual a dela no lugar do meu umbigo, essa cicatriz perfeita que todos os nascidos neste Planeta têm.

E que, não sendo um órgão, serve apenas para me lembrar que um dia minha dimensão corporal esteve visceralmente ligada a um outro ser, numa conexão e relação total de dependência. Eu não criei a mim mesma.

Lembrei de Adão e Eva. Com certeza, eles também tinham umbigo.

LIC

sábado, 1 de junho de 2024

UM IRMÃO OU UM CACHORRO?

Meu nome é Marcella.

Um dia, acho que foi domingo, fiz sete anos.

A festa foi no salão do nosso prédio, teve bolo de chocolate enfeitado com M&M, brigadeiro, sorvete, pipoca, cachorro-quente e outras coisas que eu não gosto.

Todo mundo diz que estou uma mocinha. "Nossa, como ela está alta!" Que linda, de batom!"

Estou grandinha, mas não posso atravessar a rua sozinha. Preciso dar a mão.

Estou crescida, mas ainda não tenho um celular nem posso assistir televisão à noite.

Meus irmãos vivem dizendo que eu só atrapalho e por tudo eu levo bronca.

"Anda logo, Marcella, a perua já chegou!" É meu irmão, o Ricardo, gritando, todo dia, logo cedinho, na hora de irmos pra escola. 

"Marcella, desliga a televisão!" É minha irmã, a Patricia, que sempre resolve estudar na hora do Castelo Rá-Tim-Bum.

"Agora chega, sua manteiga derretida." É meu irmão, o Rafael, toda vez que eu choro.

Eu queria mesmo é ser só eu aqui em casa ou ser pequena de novo.

Antes de eu dar a chupeta pro Papai Noel, eles me beijavam o tempo todo, me seguravam no colo, davam risada quando eu fazia uma gracinha e minha irmã até brincava de boneca comigo.

Quando eu comecei a andar, tudo mudou.

Até o Papai Noel mudou.

Ele me dava presente de graça, nem boazinha eu precisava ser.

Agora, é tudo "se". "Se você for bem na escola, se você for obediente, se você comer feijão, se você escovar os dentes, se você..."

Ele começou a ficar chato como meus irmãos.

Mas, num dia de Natal, ele chegou lá em casa com uma cachorrinha que eu nem tinha pedido. E fazia um tempão que eu não comia feijão.

Fiquei sabendo, o papai me contou, que foi porque, quando eu já estava na barriga da mamãe, ela perguntou pros meus três irmãos o que eles preferiam: um cachorro ou outro irmão? 

Bem... eu nasci e ela estava devendo o que eles tinham escolhido.

LIC