Por causa da impaciência os homens foram expulsos do paraíso, por causa da indolência eles não voltam."
Franz Kafka
O meu olhar. O olhar do outro. O olhar profano. E o místico. Feminino e masculino. Olhares apaixonados. Outros, razão pura. Todos, restritos. Poucos se aproximam do Infinito. São nossos olhares, distintos olhares sobre o mesmo Universo. Porque "agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido" (1Cor 13, 12).
Uma pera Willians. Por que será que lhe deram esse nome?
Vendi minha Delta-Larousse para o Sebo do
Messias no mês passado, então... vou pesquisar por aí. Agora, tem Google, Bing, Yahoo! ... ChatGPT,
polímatas virtuais.
Bem... voltando à pera Willians. Ela está na
minha fruteira há duas semanas. Sua cor e consistência não mudaram desde então.
Mexo nela e me parece que não madurou.
As peras têm formato de pera. São cônicas.
Parecem um sino arredondado na metade inferior, com um pescoço grosso enfeitado
com um cabinho, a extremidade do caule.
Esta, em questão, está verde, com um leve
rubor em uma pequena parte da casca lisa. Dizem os pomológos que ela fica
amarelo-dourado quando amadurece.
A Williams é uma variedade originária da Inglaterra. Seu nome completo é Williams' good Christian. Tem uma longa história por trás desse nome. Não vou contar. É perder tempo com o que não vai lhe acrescentar mais sabor.
Voltando a ela, observei que a parte inferior se “fecha” com o que restou da flor que lhe deu origem, uma cicatriz, seu umbigo. Foi cortado, está seco.
Comer uma pera todo dia tem benefícios, assim como também comer jaca (eca!), porque uma fruta não é superior à outra, como todas as criaturas deste Planeta, todas nascidas do mesmo jeito, criadas no mesmo canto. E Deus viu que isso era bom.
Comprei no sábado antes do meu aniversário, há nove dias. O cabinho está enrugado. Talvez tenha envelhecido por dentro, esteja "passada".
Lembrei que tem gente assim, "passada" por dentro, parecendo novinha por fora à base de dor e desconforto – preenchimento com ácido hialurônico, laser fracionado, lifting facial, cirurgia plástica, peeling de fenol, microagulhamento, injeção de toxina botulínica, introdução de fios de sustentação, rinoplastia etc. etc. etc.
Ainda vão inventar outras estratégias. Ninguém mais se conforma em envelhecer e ter que entregar o bilhete de volta!
Vou enfiar a faca nela. Se ficar na fruteira por mais tempo, vai afetar as outras. Elas se comunicam! Deixe-as lado a lado e você acelerará a maturação de todas. Mais um golpe de gênio do Criador!
LIC
O
outono nunca falha em se tornar inverno!
O
dia amanheceu um dia frio! Acordei e decidi. Hoje, nada vai me derrubar porque
pretendo ficar deitada o tempo todo.
Dito
e feito, mas não sem remorso. Às vezes, eu me cobro tanto que vou levar boletos
para pagar na eternidade.
Eram
nove horas da manhã, eu continuava na cama, encolhida, em silêncio, com mil
pensamentos revoando e se trombando.
A
campainha tocou. Rapidinho me ajeitei pra não causar assombro em quem estava do
lado de lá. Meu cabelo se revolta à noite e, como minhas fronhas não são de
cetim, amanheço com o rosto amassado.
Era
minha vizinha de andar com um saquinho de sal grosso mesclado de flores secas
de camomila, alecrim e perfume de lavanda, uma dose abreviada do seu ganha-pão
pós aposentadoria: escalda-pés.
Agradeci,
convidei para entrar e tomar um café. Agradeceu sem aceitar. Disse que tinha mais
algumas para entregar.
Assim
que fechei a porta, entrou na minha mente um pensamento intrusivo, daqueles que
surgem de repente e de forma indesejada, sabe? Aqueles que a gente não tolera
dizer nem a si mesmo. “Estratégia de marketing”, ajuizei.
Minha
herança judaico-cristã me censurou de imediato. Que necessidade de julgar as
pessoas constantemente! O ser humano (eu também, né?!) se acostuma a
julgamentos e opiniões sem fundamento que, geralmente, não correspondem à
realidade.
Já
tratei disso com meu terapeuta. Nosso cérebro precisa ter um conceito formado
sobre tudo. Se não tem, ele “inventa”, ele me explicou.
De
imediato, lembrei do papa Francisco. Quanto se “inventou” sobre ele! Desde o
primeiro dia de seu pontificado, surpreendeu o mundo pedindo “Rezem por mim” e,
ultimamente, acrescentava “a favor”. Sabia o que falavam a seu respeito, mesmo
nos bastidores da Igreja.
Em
21 de abril, ele encontrou seu divino juiz. Eu também o encontrarei.
Deus
me livre que Deus já tenha um conceito formado sobre mim. Como – acho eu –
ainda tenho um tempinho por aqui, pretendo melhorar. Prometo, Senhor!
E
já sei o que aconteceu, onde foi que eu errei. A Lúcia Galvão disse que a
Helena Blavatsky disse que o corpo na cama já acordado é laboratório de
péssimas formas mentais sobre as quais não se tem controle.
Sem
saber dessa sabedoria blavatskyana, minha avó me dizia para não ficar na cama à
toa, “a cabeça é fábrica de coisa ruim, menina”.
Pois
bem... agora, conhecendo a causa e o efeito, amanhã pulo da cama assim que abrir
os olhos, mesmo que seja no sacrifício.
Vida que segue.
Habemus Papam! Rezemos por ele... a favor.
LIC
Neste vídeo, descubra como a fase hipnagógica pode turbinar sua criatividade — e como a ciência moderna confirmou esses métodos usados por gênios.
Falamos de Edison, Dalí, Mary Shelley, Charles Dickens, William Butler Yeats e das pesquisas mais recentes sobre sono, intuição e processos criativos.
Uma jornada entre arte, neurociência e inspiração.
RODRIGO GURGEL
Quando
leu a mensagem, sentiu o tempo parar. Suspensa por segundos, imóvel, a Terra se
deteve, perdeu movimento, se precipitou no infinito.
“Francesco
è morto”, era a breve mensagem que a amiga lhe enviara de Milão, às 8h da manhã
daquele 21 de abril.
Pouco
a pouco, ao sair daquele momento de estupor, quis saber mais. A morte é um tema
que provoca assombro, temor, repulsa, mas desperta curiosidade.
Foi
confirmar a veracidade da informação. Uma enxurrada de notícias já circulava
pela internet. Soube que o Papa morrera às 7h35 pelo horário de Roma, que haveria
nove dias de luto, que o enterro aconteceria entre o quarto e o sexto dia após
a morte, que já estavam sendo preparadas as cerimônias fúnebres, de 15 a 20
dias após o “trono vazio” aconteceria o Conclave.
E
que, por fim, a fumaça branca, subindo da chaminé da Capela Sistina, sinalizaria
a eleição do novo Bispo de Roma.
Ao
lembrar a frase que, na França, se proclamava o novo monarca, sentiu que logo se
esqueceria Francisco. “Il Papa è morto, viva il Papa." Da sacada da Basílica de
São Pedro, ecoaria pela praça o “Annuntio vobis gaudium magnum; Habemus Papam”.
Somos
ingratos! E nesse somos ela se colocou também, com tristeza e confissão, recordando
o enterro de seu pai. Um homem pode ser bom filho, bom pai, trabalhador,
honesto, doar para a caridade, mas o número de pessoas no seu funeral
geralmente dependerá do clima.
Certamente,
isso não aconteceria nas exéquias de Francisco, uma cerimônia repleta de
tradições, simbolismos e protocolos. Ele não é um simples mortal. Apesar de ter
morrido como um simples mortal “pois és pó e ao pó voltarás", concluiu.
Aparecemos
e desaparecemos, disse a si mesma. Deus nos leva pelo rio da vida tão depressa
quanto o sono, como a erva que nasce pela madrugada, germina e brota pela
manhã, mas à tarde murcha e seca, recitou em silêncio o verso de um Salmo que tinha
como mantra. Ninguém sabe o fim da sua história.
Envolvida
por um profundo sentimento de luto, esqueceu que a Terra não tinha parado de girar
em torno de si mesma e do sol.
Quando
escutou as onze badaladas do relógio cuco, despertou. Desligou a televisão, o
notebook, o celular e mergulhou na trivialidade da vida, nos fatos nada extraordinários.
A
vida continua e os leões estão soltos na arena, disse, encostando a barriga na
pia para lavar a louça do jantar, não sem antes comer inteirinho o coelho de
chocolate que sua filha lhe dera no dia anterior.
Tomás
de Aquino disse que o primeiro remédio eficaz contra a tristeza é qualquer
prazer. O momento da morte é incerto mesmo, se justificou.
LIC
A cena é bem simples. Uma senhora idosa, sentada num banquinho, quase tão baixo quanto ela, ao lado da portaria diante do portão de garagem.
Às terças, quintas e aos sábados, quem mora no edifício Veredas a encontra à espera.
Hoje, depois da minha caminhada, eu a vi assim que me aproximei da calçada. Dessa vez, ela não apenas inclinou o tronco e a cabeça em minha direção, sua forma de cumprimentar todos que passam por ela. Sorrindo, me deu uma bala e segurou minha mão por um instante.
Harumi fala um nada no meu idioma e pouco entende, o que impede nossa comunicação com muitas palavras. Agradeci também sorrindo.
Tudo que sei a seu respeito quem me contou foi o porteiro da manhã. “Dona Harumi mora com a filha no 8º andar. Ela tem 99 anos. Fica sentada ali esperando o ônibus da igreja com uma Bíblia descansando no colo. Não falta. Ela anda devagarinho, se apoia na bengala. Pra não se atrasar, chega uma hora antes. De pouco em pouco, ela me chama para saber que horas são.”
São oito e vinte. O ônibus vai passar daqui dez minutos. Sem nada de urgente pra fazer naquela manhã, fiquei por ali. “Esperando ônibus? Vai igreja?” Economizei palavras pra ela me entender.
“Sim,
esperando. Ônibus chega logo. Vai igreja cantar, reza, almoça e depois volta casa”,
ela respondeu.
Não deu pra mais nada. Além de tudo, ela usa aparelho para surdez.
Harumi foi pra igreja. Eu fui pra casa.
Tomei banho e, enquanto preparava meu desjejum, li as mensagens que chegam logo cedo via WhatsApp, geralmente tão óbvias e triviais que aborto principalmente as de autoajuda e mesmo algumas beatas. Não dá para esperar que o dia seja leve, repleto de sorrisos neste efêmero existir. Isso é uma inadequação conjuntural. De imediato, me lembro do Marco Aurélio (o imperador), um homem sensato. Ele tinha os pés no chão quando escreveu “Previne a ti mesmo ao amanhecer: ‘vou encontrar um intrometido, um mal-agradecido, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro’”. (Meditações, Livro II, 1.)
Mas, naquela manhã, uma dessas mensagens, mesmo sem revelar algo profundo, fez que dona Harumi voltasse à minha tela mental acompanhada de uma questão que filósofos e teólogos discutiram e discutem ainda hoje. “Será que Deus precisa das nossas orações ou nós oramos por uma necessidade humana?”
O rabino Michel Schlesinger diz que os dois precisam. Pois Deus só existe enquanto houver quem espie para cima e busque por ele e nós só existimos enquanto ele olhar para baixo e nos der força para seguir em frente.
Homens e mulheres do povo da Bíblia acreditaram nisso. Diante de infortúnios, nem o grande sábio Salomão nem Sansão com sua força sobre-humana, menos ainda o paciente Jó, dispensaram a existência de Deus. Com os joelhos no chão, foram mais longe do que seus pés os poderiam levar.
Mesmo que sejam personagens de narrativas com conteúdo mítico, eles são porta-vozes da frágil e limitada condição humana diante do panorama geral da vida. Foram e somos vulneráveis às mínimas turbulências. É preciso ter coragem para viver sem Deus.
Estou escrevendo em meu computador diante de uma ampla janela. O pôr do sol se aproxima pintando de alaranjado a imensidão do céu. Num impulso, olho para cima.
E o que
vejo? Dona Harumi. Há bondade no seu olhar. Seus olhos dão a ideia de que a
vida é simples. Tem gente assim, que se apoia no transcendental para levantar a
alma ligada à terra.
LIC
10 DE ABRIL
DIA MUNDIAL DA HOMEOPATIA
Desde a Grécia Antiga, a Medicina possui duas correntes terapêuticas, fundamentadas no princípio dos contrários e no princípio dos semelhantes.
Baseando-se no princípio dos semelhantes, em 1796, o médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843) criou a Homeopatia que, desde então, vem produzindo resultados de cura evidentes em todo o mundo.
Mesmo assim, sua eficácia é posta em dúvida e contraposta a uma medicina institucionalizada, sustentada por laboratórios farmacêuticos.
Por quê? Talvez a resposta seja simples e única: porque a Homeopatia é de baixo custo.
Promova sua divulgação, pela saúde física, mental e emocional de uma população de seres humanos cada vez mais doentes.
DOIS LIVROS 📚 DOIS FILMES 📽️ PARA O "DIA DA MENTIRA"
Dia da Mentira, também conhecido como Dia das Mentiras, dia das petas, dia dos tolos (de abril), dia da gafe ou dia dos bobos, é uma celebração anual em alguns países europeus e ocidentais, comemorada em 1° de abril, pregando partidas e espalhando boatos como formas de assinalar a data.
Uma delas diz que a brincadeira surgiu na França.
Desde o começo do século XVI, o Ano Novo era festejado no dia 25 de março, data que marcava a chegada da Primavera.
As festas duravam uma semana e terminavam no dia 1° de abril.
Em 1564, depois da adoção do calendário gregoriano, o rei Carlos IX de França determinou que o Ano Novo seria comemorado no dia 1° de janeiro.
Alguns franceses resistiram à mudança e continuaram a seguir o calendário antigo, pelo qual o ano se iniciaria a 1° de abril.
Gozadores passaram então a ridicularizá-los, a enviar presentes esquisitos e convites para festas que não existiam.
Essas brincadeiras ficaram conhecidas como plaisanteries.
Fonte: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Mentira>.
Tempos atrás, Jesus e Pedro caminhavam juntos em direção a um vilarejo.
Fazia muito, mas muito calor naquele dia.
Eles subiam uma montanha íngreme e Pedro começou a reclamar.
"Ai, Jesus, meu irmão, vamos parar um pouco pra descansar..."
"Força, Pedro, mais umas duas horas e chegamos ao vilarejo."
Pedro, ainda resmungando, disse a Jesus:
"O Senhor poderia ter arranjado um cavalo para esse seu velho amigo..."
Jesus, olhando Pedro, disse:
"Um cavalo? Está bem. Mas com uma simples condição: que você reze o Pai Nosso sem a menor distração, sem se afastar das palavras."
Pedro riu feliz. "Isso é fácil, Jesus."
Ele abaixou a cabeça, fechou os olhos e, concentrado, começou... "Pai Nosso, que estais nos Céus, santificado seja o Vosso nome..."
Até que... na parte "seja feita a Vossa vontade", Pedro abriu um olho, um olho só e disse:
"Jesus, com uma sela de couro, uma bela sela de couro, viu?!"
Considerado instrumento sagrado para orações na religião católica, o Terço tem 54 contas na guirlanda e mais cinco próximas do crucifixo, e pode ser encontrado em tamanhos menores.
Enquanto com a boca repetimos o Pai Nosso, a mente percorre, com Jesus, os mistérios de sua vida, paixão, morte, ressurreição e glorificação, e atende a três estados oracionais dirigidos a Deus: louvor, pedido, agradecimento.
E, com Maria, a mente percorre os acontecimentos dos quais Ela participou, unida a seu Filho.
Essas duas orações têm origem no Evangelho.
Que durante a recitação do Terço aconteçam distrações, é normal. Isso ocorre em qualquer oração, não somente no Terço.
Deus não repara nisso. Ele sabe de quê somos feitos.
Essa data foi implementada na 3ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1999.
Pretende-se salientar a importância da poesia enquanto manifestação artística comum a toda a Humanidade. Celebra-se também a criatividade, a pluralidade linguística e cultural e promove-se o ensino e declamação da poesia.
O
amor impede a morte! Sei
o que estou dizendo quando escrevo isso: já perdi seres queridos, muitos, que
estão vivos porque eu os amo.
Mas a
morte continua sendo um mistério. Minha compreensão sobre isso, e sobre tantos outros
mistérios, é limitada. Nem o instinto ou a intuição me ajudam a conviver em paz
com eles.
Tem dias
que ela me aterroriza, quando imagino a solidão em que deve viver um morto. Não
tenho natural predisposição para a convivência. Por vezes, sou um pouco
ausente. Porém, estar sozinha pela eternidade não me agrada. Gosto de ficar só bem
acompanhada.
Aceitando essa
minha incompreensão sobre o derradeiro destino, aceito como dever ir até o fim e
protagonizar o epílogo do livro de quem escreveu e determinou todos os meus
dias. Sim, estou falando de Deus.
Algo está
sempre por acontecer. O outono, desta vez. Ele já está à espreita, em suspenso
no amanhecer lento, no vento fresco ao anoitecer, com umas e outras folhas de
árvores mudando de cor e caindo. É um tempo de aceitação quase unânime porque equilibrado,
nem oito nem oitenta no frio e no calor.
Vou
interromper um pouco porque o interfone tocou. “Sim, Antônio, pode colocar no
elevador social.” Os livros chegaram. Há muito não fazia isso, comprar livros.
São itens valiosos, mas caros. Num ímpeto, comprei seis, para as noites
insones, feriados prolongados e dias santos. Por incrível que pareça, tem santo
para todos os dias, de santa Adelaide a santa Zita. Enfim... são 2.000 anos de
Cristianismo. Não tem com K e com Y na língua portuguesa. Em outro idioma, talvez
tenha.
Estou
estudando inglês. Tenho motivos para isso: amo esse idioma e quero melhorar
minha saúde cognitiva. Quem entende do nosso cérebro sugere que ser
bilíngue na idade adulta pode ajudar a evitar a demência. Deus do céu, é o que
desejo!
A
propósito, me lembrei agora das senhorinhas que vivem naquele casarão de dois
andares. Pele rugosa, flácida, cabelos brancos, andar lento são alguns sinais
que denunciam sua idade – 80, 90, dona Hipólita com 102 anos – e a demência. Elas
vivem na zona cinzenta do esquecimento, com flashes emaranhados do passado, num
tempo que é agora, mas se desvanece no instante imediato.
Por quê, meu Deus, por quê? É mais um daqueles mistérios que não compreendo. Nem compreenderam os homens no passado.
Um deles, meditando sobre a vida e a condição
humana, escreveu: “Somos breves como o sono, como a relva que brota com a
alvorada, germina e floresce pela manhã, mas, ao pôr do sol, murcha e seca”.
Só o amor
impede a morte!
O dia está
ameno. Vou visitá-las hoje.
LIC
Todos
os anos, no final das férias de verão, a ladainha era a mesma.
“Você
não fica com vergonha dos seus filhos voltarem para casa com saudade da comida
da empregada”?
Pois
eu não ficava e fazia coro com eles, sem vergonha. “Dona Vera, que saudade do
seu arroz e feijão!”
Na
casa dos meus pais, era minha mãe que cozinhava, desde sempre e foi para todo o
sempre.
Em
meia hora, o almoço estava pronto; quarenta minutos no máximo às
quintas-feiras, quando era dia de macarrão ao alho e óleo, bife à milanesa e
salada de brócolis.
Não
que ela gostasse de cozinhar. Não gostava. Ela amava costurar.
Mas
foi uma das obrigações que, presumida e assumidamente, se aceitava com o
casamento naqueles tempos.
Nem
sei se isso já tinha mudado no meu tempo ou se mudou nestes tempos de agora.
O
que aconteceu foi que minha sogra – que seu pouso eterno tenha sido seguro – me
deu de “presente” uma auxiliar do lar. E eu escolhi, dentre muitas candidatas,
a que aceitou a única exigência: saber cozinhar.
A
razão, motivo, justificativa, desculpa era eu trabalhar das 8h às 14h.
A
verdade é que eu não sabia cozinhar e não
herdei o consentimento da minha mãe sobre esse item do contrato.
Até
tive boa vontade e tentei seguindo o passo a passo do “Cozinhando com Ofélia”.
Mas meu primeiro jantar feito à mão foi cenário de um pesadelo na cozinha.
Foi
então que a Covid-19 chegou. E a humanidade, eu inclusive, foi obrigada a
trabalhar intensamente na mudança de hábitos, costumes e atitudes.
Dona
Vera, por opção dela, e com minha aceitação incondicional, parou de trabalhar
aqui em casa.
Sem
ela, o processo de adaptação foi penoso, tem sido intenso, e dura até hoje. Mas
não desperdicei oportunidades de transformação.
Já
sei fazer arroz “soltinho”. O segredo é não mexer durante o cozimento porque
pode liberar amido extra, deixando o arroz pegajoso.
Sei
cozinhar feijão e engrossar o caldo. É só separar uma pequena porção dos grãos
cozidos, amassá-los para liberarem amido, devolver na panela, deixar cozinhar
por mais alguns minutos, sem tampa.
Apesar
de tanto tempo passado desde a Pandemia, é só por enquanto. Pareço a humanidade
que, desde então, tem trabalhado tão pouco para se transformar.
Apesar
disso, se continuo não gostando de cozinhar, tenho analisado seriamente com o
terapeuta minha resistência profunda a essa ocupação que, dizem, é uma arte que
requer criatividade e imaginação.
Minha
mãe não gostava de cozinhar, mas usava sua criatividade e imaginação costurando.
Prefiro
usá-las escrevendo. Como Mário de Andrade, “escrevo sem pensar, tudo o que meu
inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o
que escrevi”.
Foi
o que fiz até este ponto final.
P.S.: Hoje, eu aprendi, e fiz, jiló refogado sem o gosto amargo. Oh glória!
LIC
Logo na primeira mordida, Maria Elisa engasgou.
A massa da esfirra “esticadinha” estava seca, quase carbonizada, e o recheio de zátar parecia areia do Saara. Zátar é pó granulado... de tomilho, orégano, manjerona, gergelim torrado, coentro, sumagre, sal e, por vezes, cominho e coentro. Não foi uma boa escolha, foi péssima.
No passado, quando almoçava no Farabbud aos domingos, Maria Elisa pedia, e comia com prazer, a “esticadinha” de carne. E se deliciava!
Mas ela decidiu ser vegetariana. Lera a descrição feita por Tolstói do matadouro da sua cidade de Tula e ficou horrorizada. Está lá, no ensaio “O primeiro degrau”, os detalhes do assassínio sem piedade de animais indefesos e de seu sofrimento, criados e transformados em hambúrguer e churrasco.
Chocada com a barbárie, não hesitava em afirmar que “qualquer pessoa de bom coração diante desse relato também deixaria de se alimentar do cadáver de animais”.
“Não podemos acreditar que, como avestruzes, se não vemos o que não queremos ver não existe. Os animais sofrem, mesmo que alguns produtores alardeiem abate humanitário para que sofram menos”, ela grifava.
Para dar validade sagrada e milenária à opção vegetariana, ela citava um verso do primeiro capítulo de Gênesis. “Vede, eu vos entrego as ervas que dão semente sobre a face de toda a terra; e todas as árvores frutíferas que dão semente vos servirão de alimento.”
Como, então, a humanidade se atrevia a desobedecer às prescrições do Livro da Criação?!
Num instante, Maria Elisa se viu no meio de um fogo cruzado.
Era nítida, entre todos, a passionalidade em favor da necessidade humana de proteína animal e dos prazeres da carne para ser forte e feliz.
Não sem muita discussão, todos tinham algo a dizer na contramão do Criador, com opiniões abalizadas por médicos, nutricionistas, estrelas de Hollywood, influencers famosos, vídeos Tik Tok, o Google, a Wikipédia etc.
Para oficializar o fim da polêmica, Heitor bateu o martelo quando afirmou que a vida não seria normal nem valeria a pena estar vivo para comer um “churrasco” à base de abobrinha, milho, berinjela, brócolis, pimentão e couve-flor. Foi aprovado unanimemente com gargalhadas e aplausos entusiastas.
Chamaram
o garçom e pediram mais uma porção de esfirras de carne, basturma com ovos, quibe
assado, quibe cru, quibe frito, kafta.
Acuada, Maria Elisa se calou, quase acreditando que, talvez, Tolstói tivesse exagerado. Apesar de ser um luminar do universo literário, ele era dado a excessos.
Mas... e quanto ao Criador? Os ensinamentos doutrinários que recebera afirmavam que ele era onisciente.
Decidindo que não era hora nem lugar para se ocupar seriamente desse tema sem dominar os fundamentos necessários, Maria Elisa chamou o garçom e pediu a sobremesa.
Ao chegar em casa, procurando a Bíblia para ler novamente o Gênesis, deu de cara com o livro “Flor de Obsessão: as 100 melhores frases de Nelson Rodrigues”. Uma delas veio de imediato à sua mente. “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.”
Foi
dormir conciliada com o Criador e com Tolstói.
LIC
Terça-feira, 6h da manhã. Saí pra caminhar.
Como tem chovido bastante, graças a Deus, ergui o olhar para o céu.
Acima da minha cabeça, as formas fantásticas das nuvens, como eu nunca vira, encobriam o sol. Não se moviam, oferecendo um espetáculo de azuis celestes.
Fiquei parada, na calçada, admirando aquela obra de arte suspensa no firmamento.
Mas uma brisa leve começou a varrê-las. Pouco a pouco, elas foram se dispersando. Algumas empalideceram, outras fugiram para o horizonte, porém nenhuma se avolumou em forma de tempestade.
Portanto, naquele momento, não ia chover.
Fui caminhar.
LIC
As Oficinas de Oração e Vida são encontros semanais onde aprendemos, por meio de um método bastante simples, a nos aprofundar na prática da oração e a estabelecer uma relação pessoal com Deus.
Em 1984, seu idealizador e fundador, frei Ignacio Larrañaga, iniciou sua difusão pelo mundo e, hoje, 44 países oferecem as Oficinas de Oração e Vida a milhares de pessoas, nos cinco continentes.
VOCÊ JÁ TEVE SEU MOMENTO DE LEITURA DE UM LIVRO HOJE?
"Diversos mestres da Literatura recomendam a leitura diária de livros, sete dias por semana."
"Essa prática melhora a capacidade de se expressar, permite contemplar o mundo sob diversas perspectivas, pensar de forma cada vez mais ampla e viver uma infinidade de experiências novas, entre outros benefícios."
VOCÊ JÁ FEZ SEUS 30 MINUTOS DE CAMINHADA HOJE?
"As principais diretrizes de saúde recomendam 30 minutos diários de caminhada moderada, cinco vezes por semana."
"Essa prática beneficia a prevenção de doenças, aumento da expectativa de vida e melhora do sono, entre outros benefícios."
DA LUCCA A MILANO - DA MILANO AL BRASILE
Terminado o passeio a Cinque Terre, retornamos de La Spezia para dormir uma última noite no Villa Lucrezia em Lucca.
Logo cedo, estaríamos sulle strade italiane in direzione Milano, per circa tre ore.
O voo Malpensa-Guarulhos estava confirmado para as 13 horas do dia seguinte, 30 de maio.
Depois de um bom trecho de estrada, paramos em Piacenza, a cerca de 63 quilômetros de Milano. Parecia ser uma boa cidade para almoçar. Era entre uma e duas horas da tarde.
Foi lá que vivenciamos la chiusura del pomeriggio, algo muito comum nas cidades pequenas. Piacenza parecia uma cidade fantasma, pura calmaria, com repartições públicas, restaurantes, o comércio fechados e gente voltando para casa, não necessariamente para tirar uma soneca, mas almoçar com a família, cuidar dos filhos, do cachorro.
Para nós, turistas desavisados, foi um problema. Saímos de lá quase cinco da tarde, também porque o Danilo, que fora estacionar o carro, teve dificuldade de voltar até onde estávamos e não encontrava viva alma para orientá-lo.
Chegamos à Osteria della Pista, um hotel próximo ao aeroporto, à noite, pois a estrada estava congestionada de veículos e motos. Só tivemos tempo de levar as malas para os quartos, tomar um banho e descer para o nosso último jantar em solo italiano, de despedida. Foi um fechamento gastronômico com chave de ouro, pela qualidade da comida deliciosa e pela beleza do restaurante da Osteria.
Il 30 maggio siamo partiti per il Brasile.
Acomodada no assento do avião, ho sentito il mio cuore spezzarsi. Um pedaço ficara em Polignano a Mare, outro em Lucca.
Ainda não conseguia acreditar em todas maravilhas que havia visto e nas indescritíveis emoções que havia sentido.
Apesar da saudade dos meus queridos que haviam ficado no Brasil, da vontade louca de revê-los e abraçá-los, eu tinha ímpetos de levantar daquele assento e voltar correndo pra aqueles lugares onde havia deixado meu coração.
Aquela não havia sido uma simples viagem turística, era a realização de um sonho, um sonho que meu pai e meu avô, ao contarem as histórias delle loro città, ainda que, muitas delas, frutos da imaginação, haviam partilhado comigo e inculcado de tal maneira em minha mente e coração que, ao me deparar com elas, a imagem e presença deles era tão forte e palpável que, para mim, eles estavam ali comigo.
Ainda agora, scrivendo quest'ultimo atto, a emoção me invade, me arrepia e as lágrimas correm livres, como quando eu estava lá.
Lembrei-me da voz da Maysa, cantando “... Ah, vontade de ficar, mas ter que ir embora...”, ao fechar os olhos na decolagem.
Naquele momento, fiz uma promessa a mim mesma e um último pedido a Deus, que já havia me presenteado com tantas bênçãos (mas Deus pode fazer muito mais do que aquilo que pedimos ou pensamos).
Que me permitisse voltar, dessa vez pra ficar, pra que, enquanto me restar um fôlego de vida, eu possa descobrir ainda mais belezas e emoções dessa terra, della mia bella e amata Italia, la terra di miei antenatti, dove ho lasciato il mio cuore.
Pesquisa e texto: LIC
Fonte e texto final: Maria Ana Centrone Santini
A CINQUE TERRE
No último dia de passeios pela Itália, visitamos il Parco Nazionale delle Cinque Terre, um conjunto de vilas centenárias incrustadas, à beira-mar, na acidentada costa da Riviera Ligure e uma de suas principais atrações turísticas.
Monterosso al Mare, Vernazza, Corniglia, Riomaggiore e Manarola agarram-se aos terraços íngremes com suas casas pintadas de cores vivas. Bellissimo!
A partir de La Spezia, uma cidade portuária da Ligúria, o acesso a cada uma delas pode ser de barco, de trem ou a pé pelo Sentiero Azzurro, uma trilha costeira nel Golfo dei Poeti, com vista panorâmica sobre o mar em todo o percurso, que pode ser percorrida em 5 a 8 horas, assim como poetas famosos – Lord Byron, Mary e Percy Shelley, Dante Alighieri e Eugenio Montale – fizeram ao longo dos séculos.
Coerente com nosso perfil, nem aventureiro nem com preparo físico para longas caminhadas, optamos por viajar pela ferrovia Gênova-La Spezia, que faz paradas em Levanto, Monterosso, Vernazza, Corniglia, Manarola, Riomaggiore e La Spezia, mas a linha do trem nem sempre passa por dentro das cidades.
Abbiamo viaggiato da Riomaggiore a Manarola, Corniglia, Vernazza e infine Monterosso al Mare. Descemos apenas em três.
Em Riomaggiore, uma linda vila costeira que inspirou o cenário de “Luca”, animação da Disney Pixar de 2021, me agradei apreciando de um mirante a paisagem deslumbrante. A estação fica numa encosta e o elevador que dava acesso à cidade estava quebrado.
Em Vernazza, como a estação fica a poucos passos do centro da cidade, da praia e do quebra-mar, passeamos bastante. Tomamos um Aperol, comemos e abbiamo fatto acquisti in um mercato con banchi di tutti i generi.
E em Monterosso al Mare, que eu amei. Me pareceu uma Guarujá all’italiana, com uma extensão de praia considerável, grandes hotéis, restaurantes, comércio e casas à beira-mar com terraços repletos de primaveras. Almoçamos por lá num restaurante delicioso.
Danilo e io siamo tornati in barca in un pomeriggio molto piacevole con sole e cielo azzurro.
O percurso é mais demorado, mas nos deu a oportunidade de admirar a costa numa nova visão também encantadora das Cinque Terre, de suas casas coloridas que parecem empilhadas, dos vinhedos agarrados aos terrenos íngremes e dos seus portos repletos de barcos de pesca, veleiros e lanchas.
Pesquisa e texto: LIC
Fonte: Maria Ana Centrone Santini
Sempre que penso ter perdido aquela pessoa que eu amo, trago à memória uma imagem, começo com essa imagem, tão-somente essa imagem.
No início do ano, por 35 dias, estive fora do país a trabalho.
Quando regressei, fui visitá-lo na tarde do dia seguinte.
Antes da viagem, eu notara que seu andar estava mais lento e arrastado. A doença progredira a um estágio crônico, deixando-o cansado e frágil.
Mas nunca o vi soltar ais e gemer ou se lamentar. O longo caminho de erros, experiências e sofrimentos o levou ao conhecimento da aceitação.
Foi se adaptando à nova realidade na calmaria, mesmo quando impossibilitado de dirigir, o que ainda lhe dava um pouco de autonomia.
Com o desamparo da velhice – já vivera 89 anos -, sentiu que precisava do outro, o que aceitou com mansidão. A Dira, antes faxineira, passou a mensalista e, conforme a necessidade, eu abastecia sua despensa, o acompanhava nas consultas médicas, comprava os remédios.
A campainha tocou, mas ele demorou para abrir a porta.
Ao me ver, nem tive tempo de abraçá-lo. Ele se abraçou em mim. “Que bom você estar aqui de novo!”, exclamou aliviado.
Senti que a vulnerabilidade do seu estado, ao procurar um ponto de ancoragem, me escolhera como porto seguro.
Me assustei, imaginando o que isso causaria na minha rotina pessoal e profissional.
Um pensamento imediato emergiu com a expressão que ouvia dele desde criança. “Faça o teu dever, suceda o que suceder.”
Eu sabia o que devia fazer, mesmo não sabendo o que iria acontecer.
Nos meses seguintes, cancelei todos os compromissos no exterior. Estive mais presente ao seu dia a dia, não só nas urgências, porém ainda atado aos aspectos passageiros da vida.
Este não é um tempo para velhos.
Papai morreu no fim do ano, sem medo, mesmo não sabendo o que o amanhã lhe traria, numa entrega consciente diante dessa inevitável interrupção dos propósitos humanos.
Desejei-lhe um pouso seguro! Que assim tenha sido!
Aquele abraço é a imagem que tenho o tempo todo no meu coração.
Então, eu o encontro de novo e lhe peço perdão!
LIC
O louvor matinal, marcado para as 8 horas de todos os dias, começaria em cinco minutos. A sala estava vazia.
Pensei que estivesse.
Ele já estava lá, sentado diante do piano elétrico, atento às partituras do hinário, com as mãos delgadas como um fio sobre o teclado.
Minha impressão foi a mesma da noite anterior quando o capelão o apresentou. “Este é o Francisco, musicista, que vive de música, mas ainda não vive da música.”
Alto, magro, tronco e membros longos, um rosto harmonioso coberto pela barba branca, parecia um sabugo de milho, como o Visconde, aquele grande sábio do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Nesta manhã, vestia camisa branca de manga longa com o colarinho abotoado desde o pescoço, calça social preta enrugada sobre o sapato, desajustada ao comprimento das pernas.
Na sequência do seu bom dia, que me ofereceu sorridente esbugalhando os dentes alvos e afilados, soube porque ele estava ali.
“Hoje, o capelão fará o sermão na igreja. Vou substitui-lo. Podemos aguardar uns minutos até que os outros cheguem?”
Concordei, surpresa ao descobrir que ele não era um dos hóspedes.
“O senhor é pastor?”, perguntei.
“Ainda não. Sirvo como missionário voluntário onde for preciso.”
E, nos breves minutos que esperamos, Francisco contou que, quando jovem, vivera de exageros, bebendo, jogando e frequentando prostitutas e o submundo, sem eira nem beira, sem regras nem fronteiras.
“Mas, um dia, me deparei com o louco da minha cidade vestido e calçado, limpo e penteado, pregando a Palavra no coreto da praça. Ele era doido mesmo, de atirar pedra. Andava imundo, vagando pelas ruas, gritando impropérios.
“Admirei e fui atrás pra saber o acontecido, porque eu também vagava a esmo. Assisti a pregação, me converti, passei a acreditar.”
“Acreditar no quê?”, perguntei.
Ele não teve tempo de responder. Outros hóspedes chegaram e Francisco iniciou o culto.
Pensei que teríamos momentos fora dali pra conversar, pois eu ficaria hospedada ainda por um tempo e, soube depois, ele era o jardineiro do Retiro.
Não tivemos.
No restante dos dias em que estive por lá, nossos caminhos se cruzaram por diversas vezes.
Ele, sempre cuidando dos jardins. Eram muitos e, por ser um período chuvoso, a grama exigia poda constante. Eu, “atarefada” com as mil e uma atividades pra completar minha desintoxicação orgânica.
Chegada a hora de partir, uma chuva diluviana naquele dia me impediu de ir até o carro com a bagagem. Meu quarto ficava na parte externa do prédio.
Pedi na recepção um guarda-chuva e alguém para levar as malas.
Francisco apareceu.
“Além de missionário, você também é pau pra toda obra”, comentei, não surpresa porque já vira Francisco levando um colchão nas costas de um quarto para outro.
Ele sorriu e caminhamos em silêncio até o estacionamento.
Com tudo ajeitado no porta-malas, na despedida, Francisco me disse: “Sabe, dona Perpétua, se as coisas neste mundo ainda não desandaram de vez, é porque o Céu sustenta a Terra. Foi essa certeza que me salvou.”
O aguaceiro que enfrentei estrada afora somado ao que Francisco dissera me fizeram lembrar da história bíblica de Noé.
Como Francisco, a Arca de
madeira esteve à deriva, mas sobreviveu ao mau tempo.
“Cobriste a Terra com a veste do oceano, e as águas assaltaram as montanhas. Mas ao teu bramido fugiram, ao fragor de teu trovão se precipitaram, enquanto subiam os montes e desciam os vales, ao lugar a cada um destinado.”
LIC
A LUCCA
Alegria mesclada com saudade me inundou quando, no dia seguinte, conhecemos Lucca sob o sol da Toscana. Esses mesmos sentimentos me envolveram quando estive em Polignano a Mare, la città dei miei nonni paterni Antonio Centrone e Mariana Scagliusi.
Quando criança e adolescente, passeei por Lucca accompagnata con il mio nonni materno, il lucchesi Enrico Della Santa. Suas histórias me seduziam e nunca imaginei, mesmo sonhando conhecer, andar por suas ruelas medievais de paralelepípedos entre os muros de pedra que a circundam.
Confesso que senti como se uma fada-madrinha mi avesse incantato e portato in queste due città. Na verdade, esse encantamento me acompanhou nos 29 dias da nossa viagem.
Lucca é também a terra natal do pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi e de Giacomo Puccini. Al secondo piano di un antico edificio nel cuore di Lucca, situato nell’appartamento in cui Puccini è nato il 22 dicembre 1858, o Puccini Museum revive esse famoso compositor de ópera nas partituras assinadas de suas primeiras composições, cartas, quadros, pinturas, fotografias, esboços, inclusive no pianoforte Steinway & Sons su cui Giacomo Puccini compose Turandot.
Lucca é encantadora, uma pequena grande cidade. Para percorrer seus 185 km de extensão, de traçado irregular, alugamos um quadriciclo, pois apenas alguns táxis circulam no centro histórico.
Nós quatro nos acomodamos e partimos para admirar as construções medievais, as muitas torres, os jardins, as mais de 100 igrejas, particularmente a igreja de Santa Zita, que deu origem ao sobrenome da minha mãe – Della Santa. Vovô contava que eles eram descendentes dessa santa, padroeira das empregadas domésticas.
Depois de poucas pedaladas, a Arianne notou que a mochila, onde ela guardava os passaportes, documentos e dinheiro, tinha caído no chão pelo vão que havia nos assentos entre nós duas. Tudo estava naquela mochila. Quase enfartei!
A Arianne e o Danilo saíram enlouquecidos para procurar. Ma benedetto Dio! Depois de alguns minutos desesperadores e muitas lágrimas, vimos o dono da loja de aluguel de bicicletas na calçada, gesticulando em nossa direção. Lá estava a preciosíssima mochila! Uma senhora, que caminhava por perto, viu a mochila cair. Ela nos chamou para avisar, mas não ouvimos. Então, a benedetta signora entregou a mochila na loja na certeza de que voltaríamos para devolver o quadriciclo.
Che sollievo! Per me è stata l'ennesima dimostrazione che Dio è stato con noi per tutto il tempo. Só tínhamos que agradecer, agradecer e agradecer.
Continuamos o passeio e chegamos à Basilica di San Frediano que fica na Piazza do mesmo nome. Várias capelas da nobreza foram adicionadas ao interior dessa basílica nos séculos XIV a XVI. Entre elas, na nave direita, a capela de Santa Zita, decorada com telas dos séculos XVI e XVII retratando episódios da sua vida.
Zita de Lucca, aos 12 anos, foi trabalhar como empregada doméstica na casa da rica família Fatinelli, à qual serviu por 48 anos, até sua morte, em 27 de abril de 1278, sempre se distinguindo por sua bondade e atos de caridade.
Ela foi canonizada em 1696 após o reconhecimento de cento e cinquenta milagres atribuídos à sua intercessão. Quando seu corpo foi exumado em 1580, descobriu-se que estava incorrupto após 302 anos enterrado. Dio fa miracoli!
Eu chorei diante do relicário de vidro onde está exposto seu corpo mumificado, deitado em uma cama de brocado. Pensei agradecida: “No meu DNA tem algo dela”.
Continuando nosso passeio, já sem o quadriciclo, chegamos na Torre Guinigi, a mais importante da cidade, que pode ser avistada de longe porque, no seu topo, há um jardim com sete azinheiras que insistem em crescer nesse local tão inusitado e pouco provável.
Para chegar lá, é preciso subir 25 lances de escadas, num total de 225 degraus (ela está a 45 metros do solo), mas que garantiram à Arianne e ao Danilo uma vista lindíssima do centro da cidade, da Piazza Anfiteatro, dos Alpes Apuanos, dos Apeninos e do Monte Pisano.
O Zé Antônio e eu, claro, não nos aventuramos. Fomos explorar as várias lojinhas nos arredores, onde comprei, entre outras coisas, uma camiseta, um moletom e um boné de Lucca para meu amado neto Lucca.
Almoçamos num restaurante delicioso – a cidade tem boa fama pelas suas escolas de gastronomia e bons restaurantes. No final do dia, fomos para o hotel tomar um banho e voltamos para jantar na Da Ciacco Lucca, famosa por seus lanches feitos na hora, com ciabatta, mortadella, stracciatella di bufala, pomodori secchi e rucola, na Piazza Napoleone.
A cidade estava tranquila e a noite nos convidava a uma caminhada. Foi o que fizemos e, grata surpresa, nós nos deparamos com o teatro onde seria comemorado os 100 anos da morte do grande Puccini.
Che giorno meraviglioso e indimenticabile!
Pesquisa e texto: LIC
Fonte: Maria Ana Centrone Santini
pisa, SULLA STRADA PER LUCCA
Chegamos em Pisa, a cidade da famosa Torre Inclinada (campanário) que é um dos cartões-postais mais conhecidos no mundo. Seu cilindro de mármore branco de 56 metros já tinha certa inclinação quando foi concluído em 1372.
Nela estão abrigados os sete sinos del Duomo di Pisa com sua fachada de mármore cinza, pedra branca e discos de mármore colorido. O interior da catedral é revestido com mármore preto e branco, tem um teto dourado e uma cúpula com afrescos.
O Duomo está situado na Piazza dei Miracoli, onde também se encontram il Battistero di San Giovanni, o maior da Itália, construído na transição do estilo românico para o estilo gótico, e il Camposanto, um cemitério monumental, com afrescos em suas paredes que sofreram graves danos durante um ataque a bomba em 1944, restaurados com o fim da II Guerra Mundial.
Entramos em Pisa a pé, pois de carro só é permitido para residentes. À medida que nos aproximávamos desse magnífico conjunto de edifícios, tive a impressão de estar entrando num espaço congelado no tempo.
Questa Piazza colpisce per le sue dimensioni e per la sua bellezza architettonica desses quatro monumentos reconhecidos como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Per me, che conoscevo tutto questo solo attraverso foto, film e letteratura, è stato un impatto.
Não pudemos entrar na Catedral nem no Batistério porque estavam em reforma e nem na Torre, pois a fila era gigantesca. Apenas 30 visitantes são admitidos ao mesmo tempo. Não que eu quisesse subir seus três lances de escadas em espiral, com 296 degraus, num edifício com inclinação acentuada, mas a Arianne e o Danilo pretendiam. Me contentei com uma foto do lado de fora “segurando” a Torre.
Quando tornerò a Pisa, se Dio vuole, sarà lì, ancora appoggiata. Depois de todas as obras para exercer força sobre sua inclinação de quase quatro metros, ela deixou de se inclinar e, aproximadamente, a cada ano, irá endireitar-se um pouco, garantem os especialistas. Portanto, durante os próximos três séculos não haverá motivo para preocupação.
Deixamos Pisa também sem tempo para conhecer dois museus localizados nas extremidades da Piazza dei Miracoli, o Museo delle Sinopie (que expõe os rascunhos dos afrescos destruídos num incêndio do Camposanto) e o Museo dell'Opera del Duomo. Estávamos ansiosos para chegar a Lucca, dove è nato mio nonno Enrico Della Santa, e pretendíamos chegar no entardecer.
Al tramonto, entriamo dalla Porta Elisa, vicino all'hotel - Villa Lucrezia - in cui alloggiavamo a Lucca, uma cidade escondida entre largas muralhas. Villa Lucrezia é um hotel boutique lindíssimo e tem uma localização extraordinária, a 80 metros das muralhas de Lucca, exatamente em frente à Porta Elisa, uma das principais entradas para o centro histórico.
Quando saímos para jantar - nell'eccellente ristorante Gli Orti di Via Elisa -, caminhando pelos arredores do nosso hotel, eu“vi” il mio nonno andando por lá e me lembrei, com saudade, das histórias que ele contava della sua città con rubinetti che sprizzavano vino.
Pesquisa e texto: LIC
Fonte: Maria Ana Centrone Santini