terça-feira, 29 de julho de 2025

ÀS DUAS HORAS DA TARDE DE DOMINGO

 

 

Diante da folha em branco, caneta em punho, minha atenção foi despertada. O relógio do campanário marcou o tempo presente, o que era naquele instante. Duas horas da tarde de domingo.

Minha memória despertou. Foi de repente, como ela surge, desencadeada pelo som do piano da vizinha que insistia em tocar uma escala com agilidade e precisão. Trouxe um outro domingo às duas horas da tarde.

Morávamos em um sobrado geminado que, até onde posso lembrar, era herança do meu avô materno.

Um portão grande servia para a entrada de carros. O menor, para entrarmos. O restante era muro alto. Da rua para o quintal, havia um jardim sem flores e uma varanda imediata à sala de estar decorada com um sofá de quatro lugares e uma poltrona, tudo em courvin marrom, encostados na parede, de frente para a televisão. A mesinha de centro diariamente era ocupada pelo jornal que meu pai espalhava depois de lido.   

A sala de jantar estava entulhada com móveis antigos – um buffet, uma cristaleira, o barzinho e uma mesa com seis cadeiras em pau-marfim descaracterizado pelas inúmeras vezes que minha mãe lixara e envernizara a madeira. Sobre essa mesa, colocaram o caixão com o corpo da minha avó materna e lá fizemos seu velório. 

Uma porta dava acesso à copa e cozinha com tudo, absolutamente tudo – mesa, cadeiras, armários – revestido de fórmica vermelha brilhante. A geladeira também era vermelha, tendência pop dos anos 70.

Seguindo em direção ao quintal, tinha o quarto de empregada e um banheiro pequeno que todos usavam durante o dia.

A porta da cozinha se abria para o quintal com piso de cacos de cerâmica. Um canteiro estreito, onde cresciam trepadeiras – uma videira, um pé de maracujá e um de chuchu, ladeava a parede que separava a nossa da casa do vizinho. De lá saiam as formigas e os tatus bolinhas que meu irmão pegava e torturava de todos os modos que se pode conceber e por tempo sem fim.

No andar superior, para onde se chegava por uma escada de dezesseis degraus, que eu repetidamente contava tantas fossem as vezes que subisse ou descesse, tinha um banheiro com chuveiro e banheira que ninguém usava – tomávamos banho de pé dentro dela – três quartos, uma sacada aberta para a rua da frente e outra para os fundos, para o quintal.

A casa ressonava. Meus pais cochilavam no sofá, segundo o costume no domingo, e meu irmão saíra para algum lugar onde havia amigos e diversão.

Eu estava na cozinha, lavando a louça do almoço, panelas, travessas, pratos, talheres espalhados sobre a pia e o fogão. Minha mãe fizera o almoço às pressas entre as idas e vindas da feira nas ruas próximas, sem tempo para limpar o que sujava.

Tocaram a campainha. Meu pai acordou e foi atender aquele homem corpulento vestido com aprumo, de rosto e nariz franzidos que faziam pensar num buldogue. Era um agiota, soube no dia seguinte.

Notei que meu pai, acabrunhado, entrou e, à indagação da mamãe, disse que viriam buscar o piano. A dívida crescera e ficara impossível de pagar.

Sim, antes da televisão, existira aquele piano na nossa sala de estar.

LIC

 


sexta-feira, 11 de julho de 2025

CONFISSÕES

Meu irmão e eu tínhamos a tarefa de limpar a biblioteca de papai uma vez por ano, nas férias de julho.

Tirávamos todos os livros das estantes e, depois de espanar o pó, limpávamos as capas e as lombadas de couro com um produto especial, um a um.

Uma tarefa indigesta, mas que me abriu um canal de comunicação sensorial com os livros. Naquela sala entulhada de volumes, de uma forma misteriosa, eu absorvia sua sabedoria pelo tacto, pelo olfato, pela visão, sem mesmo os ler.

Dizem que os livros encontram seus leitores. Foi assim, na tarde daquele sábado invernal.

Ao abrir o nicho das obras de não ficção, da prateleira inferior, um livro caiu no chão de boca para baixo, com a contracapa à vista.

Por coincidência, no dia anterior, meu pai comentara sobre esse livro quando passamos diante de uma igreja.

Era um dos poucos sem a data da compra, que papai anotava como registro dos seus interesses e experiências de leitura ao longo do tempo.

Estava intacto, sem marcações, trechos destacados ou sentimentos anotados, sem a versão de quem já o lera. Meu pai não lia com um lápis na mão.

Ao desvirá-lo, senti que era um reencontro, pois suas mais de 300 páginas nos afastaram por diversas vezes, até pela profundidade e complexidade da obra.

Coloquei-o na escrivaninha decidido a encará-lo.

Costumo ignorar prefácios e prólogos, desnecessários como os padres e os canudinhos de refresco, pois, como diz o Quintana, “não há nada que substitua a comunicação direta”.

De imediato, fui ao início da vida terrena do autor e personagem principal. Sim, era uma autobiografia. Ou um mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa?!

As páginas estavam mergulhadas num amargo arrependimento por quantos e quão grandes erros ele se afeiçoara desde a infância. “Sem dúvida, então o meu procedimento era repreensível (...) era seduzido e seduzia, era enganado e enganava.”

Como o publicano, que nem ousava levantar os olhos para o céu, também ele pedia misericórdia. “Compadecei-vos, para que possa falar!”

Tateando por caminhos escorregadiços que lhe davam respostas insatisfatórias a questões da realidade humana, precipitou-se na confusão, no erro e na dor. “Naquelas bandejas serviam-me então ficções brilhantes!”

“Chegado já aos trinta anos, continuava ainda preso ao lodo de gozar dos bens presentes que fugiam e me dissipavam”, confessou, sentindo o tempo passar sem alcançar o que ansiava.

Certo dia, porém, no jardim de sua residência em Milão, Agostinho pareceu ouvir alguém repetindo “Tolle et lege” (Toma e lê). Viu à sua frente um livro aberto e, ao ler a mensagem que lhe saltou aos olhos...

Caro leitor, não vou dar spoiler. Leia o livro. Talvez, ele esteja procurando por você. 

LIC

sexta-feira, 4 de julho de 2025

CASSANDRA


Valentina vivia um casamento infeliz de há muito tempo.

Naquele vigésimo quarto ano, decidiu não comemorar as Bodas de Prata. Deu um basta ao conselho da avó que, em última instância, chegou à sentença final. “Ruim com ele, pior sem ele”.

Por conseguinte, se submeteu a Freud, frequentou workshops xamânicos, se banhou em cachoeiras indígenas e tatuou uma palavra védica atrás da orelha. “Um bom lugar para escondê-la, para que nem meu esposo nem meu filho vejam”, Valentina se justificou com o terapeuta.  

Com uma herança de crendices incutidas pela mãe, que lhe repetia casos extraordinários, acreditava em tudo diante do mistério da vida, no inexplicável de tantos acontecimentos inimagináveis. “Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”, Valentina explicou ao terapeuta.

Ao fim e ao cabo, aceitou a sugestão da Cassandra, uma amiga de infância. “Procure a cartomancia. Madame Janette viu o nascimento do meu filho antes mesmo de eu saber que estava grávida. Ela é profissional da área há dez anos, tem clientes até nos Estados Unidos e no resto do mundo, e muitos são influencers famosos.”

Na tarde daquela fria sexta-feira de julho, Valentina foi consultá-la. Ao entrar no quarto rodeado de cortinas escuras cobrindo as janelas, ela procurava respostas que aliviassem a frustração presente e a ansiedade em saber o que a vida lhe reservava, mesmo temendo o desconhecido.

Madame Janette era uma mulher de cinquenta anos, nariz e sotaque eurasianos, olhos verdes-esmeraldas com uma aura de escuridão e astúcia. 

Convidou Valentina para sentar e sentou-se do lado oposto da sua mesa de trabalho posicionada no centro da sala, coberta por uma toalha vermelha com símbolos místicos, onde estavam expostos cristais, velas acesas, incensos de limpeza e proteção. Abriu uma gaveta e tirou um baralho.

Com o coração vibrando como uma britadeira, Valentina não desgrudava os olhos de Madame Janette, ansiosa pelo que viria.

A cartomante começou a baralhar as cartas, baralhou-as bem, dividiu-as em três maços que transpôs três vezes, combinou-os, começou a estender as cartas viradas para baixo em formato de leque e pediu que Valentina escolhesse uma. Repetiu três vezes esse ritual e Valentina escolheu uma carta a cada uma dessas três vezes. A sorte fora lançada.

“As cartas me dizem que você não precisa ter medo. Sua gravidez será gemelar de meninas.”

Como daí a Valentina chegou ou não às Bodas de Prata eu não soube nunca.

Perdi contato com a Cassandra quando fui trabalhar na sucursal de Roma em agosto.

LIC

segunda-feira, 30 de junho de 2025

"FAMÍLIA"

Naquele dia, o encontro aconteceu por acaso durante o passeio matinal na pracinha.

O cachorro de João Pedro avançou rosnando pra Lulu da Pomerânia da Maria Clara, tipo criança mostrando a língua para outra criança.

“Ermenegildoooo, quieto!” João Pedro, puxando a coleira com energia, se desculpou.

Maria Clara sorriu, pegou a Bebel no colo e a conversa começou.  

“Qual a raça dele?”

“É um fox paulistinha, um bom cão de guarda apesar do tamanho”, respondeu João Pedro.

“Tamanho não é documento, não é mesmo?”, Maria Clara gentilmente concluiu.

A conversa foi se estendendo para variáveis ditos e comentários, alguns até menos caninos, mas digeridos sem esforço. Enquanto isso, Bebel e Ermenegildo ensaiavam uma socialização olfativa.

A partir de então, Maria Clara e João Pedro começaram a se encontrar todos os dias naquele mesmo local e horário.

Pouco a pouco, Maria Clara foi sentindo que João Pedro era um marido aceitável e vice-versa. Concordes no amor soberano aos quadrúpedes, não desejavam transmitir a nenhuma criatura o legado da miséria humana. O Brás Cubas do Machado, que ambos também amavam, os aprovaria além-túmulo.

João Pedro beirava os 50. Maria Clara contava 32. O casamento não tardou acontecer – onze meses depois.

E a linha hereditária se fez por uma linhagem canina: Bebel pariu duas Lulus da Pomerânia. Ermenegildo fecundou diversas fox paulistinhas, mas as gestações não se concluíram, resultando em abortos por causas não identificadas.

O casal registrou em um cartório virtual a certidão de nascimento das crias que vingaram com nome e sobrenome.

Com acesso irrestrito aos aposentos do interior da casa, camas aconchegantes no quarto do casal, toneladas de brinquedos nas festinhas de aniversário, todos participavam da rotina familiar e das visitas dominicais aos "avós". O casal só se hospedava em hotéis que aceitassem pets e passaram a frequentar tão somente restaurantes inclusivos.

Até que... Nero chegou, um mestiço vira-lata com pastor alemão.

Nero tinha um histórico de rejeição. Não encontrava um lar nos eventos de adoção do abrigo que João Pedro seguia e apoiava.

João Pedro, desolado por Ermenegildo não ter lhe dado descendência, finalizou a adoção. "Nero", pensou ele, "é um vira-lata, têm genes provados e testados nas agruras da vida, será um bom reprodutor".

Mas... o que ele não sabia é que Nero tinha um perfil comportamental marcante, sequela das agruras da vida. Foram necessários seis meses de visitas ao médico acupunturista, com aplicações semanais de 40 agulhas, da cabeça ao rabo, para liberação de neurotransmissores que aliviassem suas tensões e as marcas profundas causadas pela síndrome do abandono.

João Pedro, mesmo assim, apostando numa possível descendência a partir de Nero, passou a lhe dar precedência de atendimento, tempo e lugar.

Os efeitos não se fizeram tardar. 

Maria Clara, sua "filha", as duas "netas" e também o "enteado" Ermenegildo, sentindo-se cada vez mais preteridos, pediram o divórcio. Chegou à Justiça com litígio e contrato sobre a guarda, os dias e horários de visitação dos "filhos" para garantir o direito de convivência com os "pais", um ano depois da chegada de Nero.

Não sei como foi a vida dessa "família" daí em diante, mas continuo engajada na causa humana.

LIC

sexta-feira, 27 de junho de 2025

GUIMARÃES ROSA

FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM, CONFORME A NOSSA SEMELHANÇA.
Gênesis 1, 26

 

COMO NÃO TER DEUS?!

Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.

É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar- é todos contra os acasos.

Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo.

João Guimarães Rosa, 27 de junho de 1908, Cordisburgo, Minas Gerais, Brasil

quinta-feira, 19 de junho de 2025

SANTO DE DEVOÇÃO

Felícia tinha conexão com aquela santa por motivos de parentesco. Uma antiga tradição de família afirmava que eram primas por uma linha transversal de terceiro grau.

Herdara esse legado religioso a que dedicava especial veneração e com quem tinha uma relação de cumplicidade, com boas doses de interesse pessoal.

Cumpria a prática contratual romana baseada no princípio do ut des, “dou para que dês”. Aproveitava assim, promiscuamente, a devoção e a irreligião, sem desacreditar do Criador.

Se faltava dinheiro na associação dos filhos de aidéticos que ela mantinha, Felícia entrava em contato com a prima. Sem mais nem menos, aparecia um doador!

Se estava no centro da cidade, às 18h de um dia chuvoso, lhe pedia um táxi. Em poucos minutos, um taxista estacionava aos seus pés desembarcando um passageiro.

Quando perdia os óculos, era para a prima que recorria, muito mais eficiente que São Longuinho. De pronto encontrava e nem precisava dar os três pulinhos. Pois a santa nunca lhe pediu nada como contrapartida nem lhe pedia paga antecipada. Afinal, ela não era qualquer parenta.

Mas, como fidedigna pagadora de promessas, Felícia sempre retribuía pelos obséquios. Cumpria mesmo que lhe custasse deixar de comer farofa, seu prato predileto, por um ano, ou peregrinar para um lugar santo a pé, ou se vestir com os trajes da santa na data da sua morte, dia de festa.

Era nessa comemoração que vinha lhe pedindo algo especial há anos, ainda que se sentisse naturalmente merecedora. “Prima, o matrimônio é minha alma e vocação, sei que nasci para isso.”  Mesmo assim, pela força do hábito, prometia. “Em sua homenagem, minha filha terá seu nome.”

A cada ano, pedia com mais ardor, pois Felícia estava se aproximando da meia-idade. “É melhor não prometer nada do que fazer uma promessa e não cumprir. Não deixe que as suas próprias palavras o façam pecar”, aprendera lendo a trajetória de santidade da prima. 

Nessa festividade separava um cantinho da sala onde morava com a mãe viúva para colocar a imagem da prima no oratório de madeira decorado com rosinhas de rococó.

Organizava um encontro com os sobrinhos para lhes contar fatos da vida da santa com a promessa de cachorro quente e do bolo de chocolate com cobertura de brigadeiro que todos amavam. Nesse contrato comutativo, o toma lá da cá era consentido sem-vergonha pelas partes envolvidas. Ninguém era santo.

Naquele dia daquele ano, estava mais feliz do que em todos os outros. Com mais gratidão do que nunca, celebraria a prima por lhe ter facilitado o que vinha pedindo ano após ano. Casaria no próximo mês.

Logo cedo saiu para comprar as flores que enfeitariam aquele espacinho da casa e os ingredientes para o bolo.

Mas como a vida tem suas encruzilhadas, Felícia se encontrou diante de uma da qual não teve tempo de escolher direção. Se tem uma coisa que a vida nos ensina, é que nem tudo sai como planejamos.

Vinha andando, com a cabeça nas nuvens, revivendo o que vivera até então e antevendo o que poderia viver depois do casamento.

No Boletim de Ocorrência registraram atropelamento com morte súbita e omissão de socorro.

Foi enterrada vestida de noiva naquele mesmo dia do onomástico da prima santa.

LIC

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


terça-feira, 17 de junho de 2025

KAFKA


"Existem dois pecados capitais, dos quais todos os outros derivam: impaciência e indolência.
Por causa da impaciência os homens foram expulsos do paraíso, por causa da indolência eles não voltam."
Franz Kafka

terça-feira, 13 de maio de 2025

A PERA

 

Uma pera Willians. Por que será que lhe deram esse nome?

Vendi minha Delta-Larousse para o Sebo do Messias no mês passado, então... vou pesquisar por aí. Agora, tem Google, Bing, Yahoo! ... ChatGPT, polímatas virtuais.

Bem... voltando à pera Willians. Ela está na minha fruteira há duas semanas. Sua cor e consistência não mudaram desde então. Mexo nela e me parece que não madurou.

As peras têm formato de pera. São cônicas. Parecem um sino arredondado na metade inferior, com um pescoço grosso enfeitado com um cabinho, a extremidade do caule.

Esta, em questão, está verde, com um leve rubor em uma pequena parte da casca lisa. Dizem os pomológos que ela fica amarelo-dourado quando amadurece.

A Williams é uma variedade originária da Inglaterra. Seu nome completo é Williams' good Christian. Tem uma longa história por trás desse nome. Não vou contar. É perder tempo com o que não vai lhe acrescentar mais sabor.

Voltando a ela, observei que a parte inferior se “fecha” com o que restou da flor que lhe deu origem, uma cicatriz, seu umbigo. Foi cortado, está seco.

Comer uma pera todo dia tem benefícios, assim como também comer jaca (eca!), porque uma fruta não é superior à outra, como todas as criaturas deste Planeta, todas nascidas do mesmo jeito, criadas no mesmo canto. E Deus viu que isso era bom. 

Comprei no sábado antes do meu aniversário, há nove dias. O cabinho está enrugado. Talvez tenha envelhecido por dentro, esteja "passada".

Lembrei que tem gente assim, "passada" por dentro, parecendo novinha por fora à base de dor e desconforto  preenchimento com ácido hialurônico, laser fracionado, lifting facial, cirurgia plástica, peeling de fenol, microagulhamento, injeção de toxina botulínica, introdução de fios de sustentação, rinoplastia etc. etc. etc. 

Ainda vão inventar outras estratégias. Ninguém mais se conforma em envelhecer e ter que entregar o bilhete de volta!

Vou enfiar a faca nela. Se ficar na fruteira por mais tempo, vai afetar as outras. Elas se comunicam! Deixe-as lado a lado e você acelerará a maturação de todas. Mais um golpe de gênio do Criador!

LIC

segunda-feira, 12 de maio de 2025

AMANHÃ SERÁ MELHOR

 

O outono nunca falha em se tornar inverno!

O dia amanheceu um dia frio! Acordei e decidi. Hoje, nada vai me derrubar porque pretendo ficar deitada o tempo todo.

Dito e feito, mas não sem remorso. Às vezes, eu me cobro tanto que vou levar boletos para pagar na eternidade.

Eram nove horas da manhã, eu continuava na cama, encolhida, em silêncio, com mil pensamentos revoando e se trombando.

A campainha tocou. Rapidinho me ajeitei pra não causar assombro em quem estava do lado de lá. Meu cabelo se revolta à noite e, como minhas fronhas não são de cetim, amanheço com o rosto amassado.

Era minha vizinha de andar com um saquinho de sal grosso mesclado de flores secas de camomila, alecrim e perfume de lavanda, uma dose abreviada do seu ganha-pão pós aposentadoria: escalda-pés.

Agradeci, convidei para entrar e tomar um café. Agradeceu sem aceitar. Disse que tinha mais algumas para entregar.

Assim que fechei a porta, entrou na minha mente um pensamento intrusivo, daqueles que surgem de repente e de forma indesejada, sabe? Aqueles que a gente não tolera dizer nem a si mesmo. “Estratégia de marketing”, ajuizei.

Minha herança judaico-cristã me censurou de imediato. Que necessidade de julgar as pessoas constantemente! O ser humano (eu também, né?!) se acostuma a julgamentos e opiniões sem fundamento que, geralmente, não correspondem à realidade.

Já tratei disso com meu terapeuta. Nosso cérebro precisa ter um conceito formado sobre tudo. Se não tem, ele “inventa”, ele me explicou.

De imediato, lembrei do papa Francisco. Quanto se “inventou” sobre ele! Desde o primeiro dia de seu pontificado, surpreendeu o mundo pedindo “Rezem por mim” e, ultimamente, acrescentava “a favor”. Sabia o que falavam a seu respeito, mesmo nos bastidores da Igreja.

Em 21 de abril, ele encontrou seu divino juiz. Eu também o encontrarei.

Deus me livre que Deus já tenha um conceito formado sobre mim. Como – acho eu – ainda tenho um tempinho por aqui, pretendo melhorar. Prometo, Senhor!

E já sei o que aconteceu, onde foi que eu errei. A Lúcia Galvão disse que a Helena Blavatsky disse que o corpo na cama já acordado é laboratório de péssimas formas mentais sobre as quais não se tem controle.

Sem saber dessa sabedoria blavatskyana, minha avó me dizia para não ficar na cama à toa, “a cabeça é fábrica de coisa ruim, menina”.   

Pois bem... agora, conhecendo a causa e o efeito, amanhã pulo da cama assim que abrir os olhos, mesmo que seja no sacrifício.

Vida que segue. 

Habemus Papam! Rezemos por ele... a favor.

 LIC


quarta-feira, 7 de maio de 2025

DÊ UMA COCHILADA E...


 Você sabia que Thomas Edison e Salvador Dalí usavam truques específicos para acessar estados criativos entre o sono e a vigília?

Neste vídeo, descubra como a fase hipnagógica pode turbinar sua criatividade — e como a ciência moderna confirmou esses métodos usados por gênios.

Falamos de Edison, Dalí, Mary Shelley, Charles Dickens, William Butler Yeats e das pesquisas mais recentes sobre sono, intuição e processos criativos.

Uma jornada entre arte, neurociência e inspiração.

RODRIGO GURGEL

terça-feira, 6 de maio de 2025

LEIA OS CLÁSSICOS!


Quantas obras de literatura contemporânea se publicam por aí? Obviamente, não estou falando de livros despretensiosos, publicados em pequenas editoras e que ficam restritos à família. Falo, ao contrário, de livros que têm pretensão e ganham prêmios. São inúmeros. Você se lembra de algum ganhador do Jabuti da década passada? Lembra qual foi o “livro do ano” há dois anos? Lembra qual foi o livro mais badalado pelo mercado editorial e pela mídia em 2004? Se você se dedicar a ler apenas literatura contemporânea, estará dedicando seu tempo a coisas tão efêmeras quanto o jornal de ontem. Porém, ao se dedicar a ler os Clássicos, como “Antígona”, estará se dedicando a ler obras que atravessaram o tempo. “Antígona” inspirou séculos de discussão a respeito do Direito Natural, mas o seu drama é ainda mais profundo: é o drama da consciência humana, da decisão de fazer aquilo que é certo, mesmo quando um tirano proclama que o certo é outra coisa. Você pode ler o que é feito hoje em dia, mas em que você prefere investir mais o seu tempo? Naquilo que é sólido e permanece ou naquilo que pode desaparecer amanhã? A escolha é sua.

RODRIGO GURGEL 

NELSON RODRIGUES

 


terça-feira, 22 de abril de 2025

SÉ VACANTE

Quando leu a mensagem, sentiu o tempo parar. Suspensa por segundos, imóvel, a Terra se deteve, perdeu movimento, se precipitou no infinito.

“Francesco è morto”, era a breve mensagem que a amiga lhe enviara de Milão, às 8h da manhã daquele 21 de abril.

Pouco a pouco, ao sair daquele momento de estupor, quis saber mais. A morte é um tema que provoca assombro, temor, repulsa, mas desperta curiosidade.

Foi confirmar a veracidade da informação. Uma enxurrada de notícias já circulava pela internet. Soube que o Papa morrera às 7h35 pelo horário de Roma, que haveria nove dias de luto, que o enterro aconteceria entre o quarto e o sexto dia após a morte, que já estavam sendo preparadas as cerimônias fúnebres, de 15 a 20 dias após o “trono vazio” aconteceria o Conclave.

E que, por fim, a fumaça branca, subindo da chaminé da Capela Sistina, sinalizaria a eleição do novo Bispo de Roma.

Ao lembrar a frase que, na França, se proclamava o novo monarca, sentiu que logo se esqueceria Francisco. “Il Papa è morto, viva il Papa." Da sacada da Basílica de São Pedro, ecoaria pela praça o “Annuntio vobis gaudium magnum; Habemus Papam”.

Somos ingratos! E nesse somos ela se colocou também, com tristeza e confissão, recordando o enterro de seu pai. Um homem pode ser bom filho, bom pai, trabalhador, honesto, doar para a caridade, mas o número de pessoas no seu funeral geralmente dependerá do clima.

Certamente, isso não aconteceria nas exéquias de Francisco, uma cerimônia repleta de tradições, simbolismos e protocolos. Ele não é um simples mortal. Apesar de ter morrido como um simples mortal “pois és pó e ao pó voltarás", concluiu.

Aparecemos e desaparecemos, disse a si mesma. Deus nos leva pelo rio da vida tão depressa quanto o sono, como a erva que nasce pela madrugada, germina e brota pela manhã, mas à tarde murcha e seca, recitou em silêncio o verso de um Salmo que tinha como mantra. Ninguém sabe o fim da sua história.

Envolvida por um profundo sentimento de luto, esqueceu que a Terra não tinha parado de girar em torno de si mesma e do sol.

Quando escutou as onze badaladas do relógio cuco, despertou. Desligou a televisão, o notebook, o celular e mergulhou na trivialidade da vida, nos fatos nada extraordinários.

A vida continua e os leões estão soltos na arena, disse, encostando a barriga na pia para lavar a louça do jantar, não sem antes comer inteirinho o coelho de chocolate que sua filha lhe dera no dia anterior.

Tomás de Aquino disse que o primeiro remédio eficaz contra a tristeza é qualquer prazer. O momento da morte é incerto mesmo, se justificou.

LIC


segunda-feira, 14 de abril de 2025

HARUMI

A cena é bem simples. Uma senhora idosa, sentada num banquinho, quase tão baixo quanto ela, ao lado da portaria diante do portão de garagem.

Às terças, quintas e aos sábados, quem mora no edifício Veredas a encontra à espera.

Hoje, depois da minha caminhada, eu a vi assim que me aproximei da calçada. Dessa vez, ela não apenas inclinou o tronco e a cabeça em minha direção, sua forma de cumprimentar todos que passam por ela. Sorrindo, me deu uma bala e segurou minha mão por um instante.

Harumi fala um nada no meu idioma e pouco entende, o que impede nossa comunicação com muitas palavras. Agradeci também sorrindo.

Tudo que sei a seu respeito quem me contou foi o porteiro da manhã. “Dona Harumi mora com a filha no 8º andar. Ela tem 99 anos. Fica sentada ali esperando o ônibus da igreja com uma Bíblia descansando no colo. Não falta. Ela anda devagarinho, se apoia na bengala. Pra não se atrasar, chega uma hora antes. De pouco em pouco, ela me chama para saber que horas são.”

São oito e vinte. O ônibus vai passar daqui dez minutos. Sem nada de urgente pra fazer naquela manhã, fiquei por ali. “Esperando ônibus? Vai igreja?” Economizei palavras pra ela me entender.

“Sim, esperando. Ônibus chega logo. Vai igreja cantar, reza, almoça e depois volta casa”, ela respondeu.

Não deu pra mais nada. Além de tudo, ela usa aparelho para surdez.

Harumi foi pra igreja. Eu fui pra casa.

Tomei banho e, enquanto preparava meu desjejum, li as mensagens que chegam logo cedo via WhatsApp, geralmente tão óbvias e triviais que aborto principalmente as de autoajuda e mesmo algumas beatas. Não dá para esperar que o dia seja leve, repleto de sorrisos neste efêmero existir. Isso é uma inadequação conjuntural. De imediato, me lembro do Marco Aurélio (o imperador), um homem sensato. Ele tinha os pés no chão quando escreveu “Previne a ti mesmo ao amanhecer: ‘vou encontrar um intrometido, um mal-agradecido, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro’”. (Meditações, Livro II, 1.)

Mas, naquela manhã, uma dessas mensagens, mesmo sem revelar algo profundo, fez que dona Harumi voltasse à minha tela mental acompanhada de uma questão que filósofos e teólogos discutiram e discutem ainda hoje. “Será que Deus precisa das nossas orações ou nós oramos por uma necessidade humana?”

O rabino Michel Schlesinger diz que os dois precisam. Pois Deus só existe enquanto houver quem espie para cima e busque por ele e nós só existimos enquanto ele olhar para baixo e nos der força para seguir em frente.

Homens e mulheres do povo da Bíblia acreditaram nisso. Diante de infortúnios, nem o grande sábio Salomão nem Sansão com sua força sobre-humana, menos ainda o paciente Jó, dispensaram a existência de Deus. Com os joelhos no chão, foram mais longe do que seus pés os poderiam levar.

Mesmo que sejam personagens de narrativas com conteúdo mítico, eles são porta-vozes da frágil e limitada condição humana diante do panorama geral da vida. Foram e somos vulneráveis às mínimas turbulências. É preciso ter coragem para viver sem Deus.

Estou escrevendo em meu computador diante de uma ampla janela. O pôr do sol se aproxima pintando de alaranjado a imensidão do céu. Num impulso, olho para cima.

E o que vejo? Dona Harumi. Há bondade no seu olhar. Seus olhos dão a ideia de que a vida é simples. Tem gente assim, que se apoia no transcendental para levantar a alma ligada à terra.

LIC

 

quinta-feira, 10 de abril de 2025

PARA ADOECER MENOS

 

10 DE ABRIL

DIA MUNDIAL DA HOMEOPATIA

Desde a Grécia Antiga, a Medicina possui duas correntes terapêuticas, fundamentadas no princípio dos contrários e no princípio dos semelhantes.

Baseando-se no princípio dos semelhantes, em 1796, o médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843) criou a Homeopatia que, desde então, vem produzindo resultados de cura evidentes em todo o mundo.

Mesmo assim, sua eficácia é posta em dúvida e contraposta a uma medicina institucionalizada, sustentada por laboratórios farmacêuticos.

Por quê? Talvez a resposta seja simples e única: porque a Homeopatia é de baixo custo.

Promova sua divulgação, pela saúde física, mental e emocional de uma população de seres humanos cada vez mais doentes.

terça-feira, 1 de abril de 2025

DIA DA MENTIRA

DOIS LIVROS 📚 DOIS FILMES 📽️ PARA O "DIA DA MENTIRA"

Dia da Mentira, também conhecido como Dia das Mentiras, dia das petas, dia dos tolos (de abril), dia da gafe ou dia dos bobos, é uma celebração anual em alguns países europeus e ocidentais, comemorada em 1° de abril, pregando partidas e espalhando boatos como formas de assinalar a data.

Uma delas diz que a brincadeira surgiu na França.

Desde o começo do século XVI, o Ano Novo era festejado no dia 25 de março, data que marcava a chegada da Primavera.

As festas duravam uma semana e terminavam no dia 1° de abril.

Em 1564, depois da adoção do calendário gregoriano, o rei Carlos IX de França determinou que o Ano Novo seria comemorado no dia 1° de janeiro.

Alguns franceses resistiram à mudança e continuaram a seguir o calendário antigo, pelo qual o ano se iniciaria a 1° de abril.

Gozadores passaram então a ridicularizá-los, a enviar presentes esquisitos e convites para festas que não existiam.

Essas brincadeiras ficaram conhecidas como plaisanteries.

Fonte: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Mentira>.

segunda-feira, 24 de março de 2025

ATÉ PEDRO!

Tempos atrás, Jesus e Pedro caminhavam juntos em direção a um vilarejo.

Fazia muito, mas muito calor naquele dia.

Eles subiam uma montanha íngreme e Pedro começou a reclamar.

"Ai, Jesus, meu irmão, vamos parar um pouco pra descansar..."

"Força, Pedro, mais umas duas horas e chegamos ao vilarejo."

Pedro, ainda resmungando, disse a Jesus:

"O Senhor poderia ter arranjado um cavalo para esse seu velho amigo..."

Jesus, olhando Pedro, disse:

"Um cavalo? Está bem. Mas com uma simples condição: que você reze o Pai Nosso sem a menor distração, sem se afastar das palavras."

Pedro riu feliz. "Isso é fácil, Jesus."

Ele abaixou a cabeça, fechou os olhos e, concentrado, começou... "Pai Nosso, que estais nos Céus, santificado seja o Vosso nome..."

Até que... na parte "seja feita a Vossa vontade", Pedro abriu um olho, um olho só e disse:

"Jesus, com uma sela de couro, uma bela sela de couro, viu?!"

MEDITAR EM CONTAS

Considerado instrumento sagrado para orações na religião católica, o Terço tem 54 contas na guirlanda e mais cinco próximas do crucifixo, e pode ser encontrado em tamanhos menores.

Enquanto com a boca repetimos o Pai Nosso, a mente percorre, com Jesus, os mistérios de sua vida, paixão, morte, ressurreição e glorificação, e atende a três estados oracionais dirigidos a Deus: louvor, pedido, agradecimento.

E, com Maria, a mente percorre os acontecimentos dos quais Ela participou, unida a seu Filho.

Essas duas orações têm origem no Evangelho.

Que durante a recitação do Terço aconteçam distrações, é normal. Isso ocorre em qualquer oração, não somente no Terço.

Deus não repara nisso. Ele sabe de quê somos feitos.

sexta-feira, 21 de março de 2025

DIA MUNDIAL DA POESIA

DEUS!
Eu me lembro! Eu me lembro! Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca espuma para o céu sereno.

E eu disse a minha mãe n'esse momento: 
"Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver maior que o oceano,
Ou que seja mais forte do que o vento?"

Minha mãe a sorrir olhou pr'os céus
E respondeu: "Um Ser que nós não vemos
E maior do que o mar que nós tememos,
Mais forte que o tufão, meu filho, é Deus!"

Casimiro de Abreu (1839-1860)

Essa data foi implementada na 3ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1999.

Pretende-se salientar a importância da poesia enquanto manifestação artística comum a toda a Humanidade. Celebra-se também a criatividade, a pluralidade linguística e cultural e promove-se o ensino e declamação da poesia.

terça-feira, 18 de março de 2025

CRÔNICA SOBRE UMA CRÔNICA

 

O amor impede a morte! Sei o que estou dizendo quando escrevo isso: já perdi seres queridos, muitos, que estão vivos porque eu os amo.

Mas a morte continua sendo um mistério. Minha compreensão sobre isso, e sobre tantos outros mistérios, é limitada. Nem o instinto ou a intuição me ajudam a conviver em paz com eles.

Tem dias que ela me aterroriza, quando imagino a solidão em que deve viver um morto. Não tenho natural predisposição para a convivência. Por vezes, sou um pouco ausente. Porém, estar sozinha pela eternidade não me agrada. Gosto de ficar só bem acompanhada.

Aceitando essa minha incompreensão sobre o derradeiro destino, aceito como dever ir até o fim e protagonizar o epílogo do livro de quem escreveu e determinou todos os meus dias. Sim, estou falando de Deus.

Algo está sempre por acontecer. O outono, desta vez. Ele já está à espreita, em suspenso no amanhecer lento, no vento fresco ao anoitecer, com umas e outras folhas de árvores mudando de cor e caindo. É um tempo de aceitação quase unânime porque equilibrado, nem oito nem oitenta no frio e no calor.

Vou interromper um pouco porque o interfone tocou. “Sim, Antônio, pode colocar no elevador social.” Os livros chegaram. Há muito não fazia isso, comprar livros. São itens valiosos, mas caros. Num ímpeto, comprei seis, para as noites insones, feriados prolongados e dias santos. Por incrível que pareça, tem santo para todos os dias, de santa Adelaide a santa Zita. Enfim... são 2.000 anos de Cristianismo. Não tem com K e com Y na língua portuguesa. Em outro idioma, talvez tenha.

Estou estudando inglês. Tenho motivos para isso: amo esse idioma e quero melhorar minha saúde cognitiva. Quem entende do nosso cérebro sugere que ser bilíngue na idade adulta pode ajudar a evitar a demência. Deus do céu, é o que desejo!

A propósito, me lembrei agora das senhorinhas que vivem naquele casarão de dois andares. Pele rugosa, flácida, cabelos brancos, andar lento são alguns sinais que denunciam sua idade – 80, 90, dona Hipólita com 102 anos – e a demência. Elas vivem na zona cinzenta do esquecimento, com flashes emaranhados do passado, num tempo que é agora, mas se desvanece no instante imediato.

Por quê, meu Deus, por quê? É mais um daqueles mistérios que não compreendo. Nem compreenderam os homens no passado. 

Um deles, meditando sobre a vida e a condição humana, escreveu: “Somos breves como o sono, como a relva que brota com a alvorada, germina e floresce pela manhã, mas, ao pôr do sol, murcha e seca”.

Só o amor impede a morte!

O dia está ameno. Vou visitá-las hoje. 

LIC



segunda-feira, 3 de março de 2025

JUSTIFICANDO

Todos os anos, no final das férias de verão, a ladainha era a mesma.

“Você não fica com vergonha dos seus filhos voltarem para casa com saudade da comida da empregada”?

Pois eu não ficava e fazia coro com eles, sem vergonha. “Dona Vera, que saudade do seu arroz e feijão!”

Na casa dos meus pais, era minha mãe que cozinhava, desde sempre e foi para todo o sempre.

Em meia hora, o almoço estava pronto; quarenta minutos no máximo às quintas-feiras, quando era dia de macarrão ao alho e óleo, bife à milanesa e salada de brócolis.

Não que ela gostasse de cozinhar. Não gostava. Ela amava costurar.

Mas foi uma das obrigações que, presumida e assumidamente, se aceitava com o casamento naqueles tempos.

Nem sei se isso já tinha mudado no meu tempo ou se mudou nestes tempos de agora.

O que aconteceu foi que minha sogra – que seu pouso eterno tenha sido seguro – me deu de “presente” uma auxiliar do lar. E eu escolhi, dentre muitas candidatas, a que aceitou a única exigência: saber cozinhar.

A razão, motivo, justificativa, desculpa era eu trabalhar das 8h às 14h.

A verdade é que eu não sabia cozinhar e não herdei o consentimento da minha mãe sobre esse item do contrato.

Até tive boa vontade e tentei seguindo o passo a passo do “Cozinhando com Ofélia”. Mas meu primeiro jantar feito à mão foi cenário de um pesadelo na cozinha.

Foi então que a Covid-19 chegou. E a humanidade, eu inclusive, foi obrigada a trabalhar intensamente na mudança de hábitos, costumes e atitudes.

Dona Vera, por opção dela, e com minha aceitação incondicional, parou de trabalhar aqui em casa.

Sem ela, o processo de adaptação foi penoso, tem sido intenso, e dura até hoje. Mas não desperdicei oportunidades de transformação.

Já sei fazer arroz “soltinho”. O segredo é não mexer durante o cozimento porque pode liberar amido extra, deixando o arroz pegajoso.

Sei cozinhar feijão e engrossar o caldo. É só separar uma pequena porção dos grãos cozidos, amassá-los para liberarem amido, devolver na panela, deixar cozinhar por mais alguns minutos, sem tampa.

Apesar de tanto tempo passado desde a Pandemia, é só por enquanto. Pareço a humanidade que, desde então, tem trabalhado tão pouco para se transformar.

Apesar disso, se continuo não gostando de cozinhar, tenho analisado seriamente com o terapeuta minha resistência profunda a essa ocupação que, dizem, é uma arte que requer criatividade e imaginação.

Minha mãe não gostava de cozinhar, mas usava sua criatividade e imaginação costurando.

Prefiro usá-las escrevendo. Como Mário de Andrade, “escrevo sem pensar, tudo o que meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi”.

Foi o que fiz até este ponto final.

P.S.: Hoje, eu aprendi, e fiz, jiló refogado sem o gosto amargo. Oh glória! 

LIC

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

COMER OU NÃO COMER?

Logo na primeira mordida, Maria Elisa engasgou.

A massa da esfirra “esticadinha” estava seca, quase carbonizada, e o recheio de zátar parecia areia do Saara. Zátar é pó granulado... de tomilho, orégano, manjerona, gergelim torrado, coentro, sumagre, sal e, por vezes, cominho e coentro. Não foi uma boa escolha, foi péssima.

No passado, quando almoçava no Farabbud aos domingos, Maria Elisa pedia, e comia com prazer, a “esticadinha” de carne. E se deliciava!

Mas ela decidiu ser vegetariana. Lera a descrição feita por Tolstói do matadouro da sua cidade de Tula e ficou horrorizada. Está lá, no ensaio “O primeiro degrau”, os detalhes do assassínio sem piedade de animais indefesos e de seu sofrimento, criados e transformados em hambúrguer e churrasco.

Chocada com a barbárie, não hesitava em afirmar que “qualquer pessoa de bom coração diante desse relato também deixaria de se alimentar do cadáver de animais”.

“Não podemos acreditar que, como avestruzes, se não vemos o que não queremos ver não existe. Os animais sofrem, mesmo que alguns produtores alardeiem abate humanitário para que sofram menos”, ela grifava. 

Para dar validade sagrada e milenária à opção vegetariana, ela citava um verso do primeiro capítulo de Gênesis. “Vede, eu vos entrego as ervas que dão semente sobre a face de toda a terra; e todas as árvores frutíferas que dão semente vos servirão de alimento.”

Como, então, a humanidade se atrevia a desobedecer às prescrições do Livro da Criação?!

Num instante, Maria Elisa se viu no meio de um fogo cruzado.

Era nítida, entre todos, a passionalidade em favor da necessidade humana de proteína animal e dos prazeres da carne para ser forte e feliz.

Não sem muita discussão, todos tinham algo a dizer na contramão do Criador, com opiniões abalizadas por médicos, nutricionistas, estrelas de Hollywood, influencers famosos, vídeos Tik Tok, o Google, a Wikipédia etc.

Para oficializar o fim da polêmica, Heitor bateu o martelo quando afirmou que a vida não seria normal nem valeria a pena estar vivo para comer um “churrasco” à base de abobrinha, milho, berinjela, brócolis, pimentão e couve-flor. Foi aprovado unanimemente com gargalhadas e aplausos entusiastas.

Chamaram o garçom e pediram mais uma porção de esfirras de carne, basturma com ovos, quibe assado, quibe cru, quibe frito, kafta.

Acuada, Maria Elisa se calou, quase acreditando que, talvez, Tolstói tivesse exagerado. Apesar de ser um luminar do universo literário, ele era dado a excessos.

Mas... e quanto ao Criador? Os ensinamentos doutrinários que recebera afirmavam que ele era onisciente.

Decidindo que não era hora nem lugar para se ocupar seriamente desse tema sem dominar os fundamentos necessários, Maria Elisa chamou o garçom e pediu a sobremesa. 

Ao chegar em casa, procurando a Bíblia para ler novamente o Gênesis, deu de cara com o livro “Flor de Obsessão: as 100 melhores frases de Nelson Rodrigues”. Uma delas veio de imediato à sua mente. “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.”

Foi dormir conciliada com o Criador e com Tolstói.

LIC







terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

LÁ EM CIMA

Terça-feira, 6h da manhã. Saí pra caminhar. 

Como tem chovido bastante, graças a Deus, ergui o olhar para o céu. 

Acima da minha cabeça, as formas fantásticas das nuvens, como eu nunca vira, encobriam o sol. Não se moviam, oferecendo um espetáculo de azuis celestes.

Fiquei parada, na calçada, admirando aquela obra de arte suspensa no firmamento. 

Mas uma brisa leve começou a varrê-las. Pouco a pouco, elas foram se dispersando. Algumas empalideceram, outras fugiram para o horizonte, porém nenhuma se avolumou em forma de tempestade. 

Portanto, naquele momento, não ia chover. 

Fui caminhar.

LIC

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

SE EU QUISER FALAR COM DEUS...

OFICINAS DE ORAÇÃO E VIDA
UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO

As  Oficinas de Oração e Vida são encontros semanais onde aprendemos, por meio de um método bastante simples, a nos aprofundar na prática da oração e a estabelecer uma relação pessoal com Deus. 

Em 1984, seu idealizador e fundador, frei Ignacio Larrañaga, iniciou sua difusão pelo mundo e, hoje, 44 países oferecem as Oficinas de Oração e Vida a milhares de pessoas, nos cinco continentes.

Venha aprender a Orar para aprender a Viver!
INÍCIO: 5 de fevereiro de 2025, quarta-feira, às 19h30.
LOCAL: Paróquia Santo Agostinho (salão paroquial), praça Santo Agostinho 37, Aclimação, São Paulo (SP).
Não precisa fazer inscrição.
ACESSE: www.oficinasdeoracaoevida.org.br