terça-feira, 18 de março de 2025

CRÔNICA SOBRE UMA CRÔNICA

 

O amor impede a morte! Sei o que estou dizendo quando escrevo isso: já perdi seres queridos, muitos, que estão vivos porque eu os amo.

Mas a morte continua sendo um mistério. Minha compreensão sobre isso, e sobre tantos outros mistérios, é limitada. Nem o instinto ou a intuição me ajudam a conviver em paz com eles.

Tem dias que ela me aterroriza, quando imagino a solidão em que deve viver um morto. Não tenho natural predisposição para a convivência. Por vezes, sou um pouco ausente. Porém, estar sozinha pela eternidade não me agrada. Gosto de ficar só bem acompanhada.

Aceitando essa minha incompreensão sobre o derradeiro destino, aceito como dever ir até o fim e protagonizar o epílogo do livro de quem escreveu e determinou todos os meus dias. Sim, estou falando de Deus.

Algo está sempre por acontecer. O outono, desta vez. Ele já está à espreita, em suspenso no amanhecer lento, no vento fresco ao anoitecer, com umas e outras folhas de árvores mudando de cor e caindo. É um tempo de aceitação quase unânime porque equilibrado, nem oito nem oitenta no frio e no calor.

Vou interromper um pouco porque o interfone tocou. “Sim, Antônio, pode colocar no elevador social.” Os livros chegaram. Há muito não fazia isso, comprar livros. São itens valiosos, mas caros. Num ímpeto, comprei seis, para as noites insones, feriados prolongados e dias santos. Por incrível que pareça, tem santo para todos os dias, de santa Adelaide a santa Zita. Enfim... são 2.000 anos de Cristianismo. Não tem com K e com Y na língua portuguesa. Em outro idioma, talvez tenha.

Estou estudando inglês. Tenho motivos para isso: amo esse idioma e quero melhorar minha saúde cognitiva. Quem entende do nosso cérebro sugere que ser bilíngue na idade adulta pode ajudar a evitar a demência. Deus do céu, é o que desejo!

A propósito, me lembrei agora das senhorinhas que vivem naquele casarão de dois andares. Pele rugosa, flácida, cabelos brancos, andar lento são alguns sinais que denunciam sua idade – 80, 90, dona Hipólita com 102 anos – e a demência. Elas vivem na zona cinzenta do esquecimento, com flashes emaranhados do passado, num tempo que é agora, mas se desvanece no instante imediato.

Por quê, meu Deus, por quê? É mais um daqueles mistérios que não compreendo. Nem compreenderam os homens no passado. 

Um deles, meditando sobre a vida e a condição humana, escreveu: “Somos breves como o sono, como a relva que brota com a alvorada, germina e floresce pela manhã, mas, ao pôr do sol, murcha e seca”.

Só o amor impede a morte!

O dia está ameno. Vou visitá-las hoje. 

LIC



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