quinta-feira, 19 de setembro de 2024

BELLA ITALIA - SESTO ATTO

MODENA/FERRARI - SAN BENEDETO DEL TRONTO

No dia 10 de maio, seguimos viagem em direção a Bari.

Alteramos um pouco o roteiro inicial atendendo o desejo do Danilo de conhecer o Museu Enzo Ferrari em Modena, cidade onde Enzo nasceu e abriu sua primeira oficina, a Societa Anonima Scuderia Ferrari, em 1929.

Sulle autostrade, tivemos a sensação de estarmos dirigindo num circuito usado por Enzo pra testar seus carros de corrida. Uno stress!

Automóveis e caminhões rodavam a 120 km/h ou mais, ignorando as placas de sinalização, ininteligíveis até para os nativos. A indicação de velocidade permitida, que ninguém obedecia, passava bruscamente de 30 km/h pra 130 km/h.

Sem lado definido para ultrapassar, esquerda ou direita, il conducenti italiani dirigiam colados na traseira do nosso carro. Parecia que andávamos como tartaruga, pois forçavam a ultrapassagem tendo pista livre e sem veículo algum vindo em direção contrária.

Nonostante questa insensatezza, nos maravilhamos com o cenário do percurso, de paisagens belíssimas na região da Emilia Romagna. O nome Emilia vem de uma antiga estrada romana, a Via Aemilia, construída em 187 a. C.

A Itália é todinha “costurada” por estradas, herança da época áurea do Império Romano, quando sua rede de vias se estendia a aproximadamente 80 mil km, conectando cidades, províncias e regiões distantes.

Danilo e o Zé Antônio gostaram do passeio guiado que os levou pra conhecer os dois edifícios que unem o local. Um dos prédios, de estilo futurista, tem o telhado amarelo, cor oficial da Ferrari. É a estrutura central do museu, com bilheteria, área das exposições, restaurante, café e negozio di articoli da regalo, todos com preços proibitivos em reais.

O outro prédio, uma construção típica da região, com tijolos aparentes, erguida em 1830, guarda a coleção de motores Ferrari, dos experimentais aos da Fórmula 1 de diferentes épocas.

Saindo de lá, almoçamos na estrada, fazendo uma parada estratégica em San Benedetto del Tronto al tramonto, uma cidade que eu nunca tinha ouvido falar.

San Benedetto é um mártir reverenciado pelos habitantes locais e Tronto é o nome de um rio que, com os seus 115 km de comprimento, o tornam um dos principais do lado adriático da Itália central.

San Benedetto del Tronto nasce às margens do mar Adriático. É uma das primeiras cidades litorâneas da Itália, que vive do turismo de verão, com casas, hotéis e restaurantes luxuosos.

Foi a primeira vez que vimos o mar de uma praia e lì ci siamo bagnati i piedi nell'AdriaticoIn quella spiaggia, abbiamo iniziato la nostra collezione di pietre lavate provenienti dalle coste italiane.

LIC 

Fonte: Maria Ana Centrone Santini

 

  

 

 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

CUBO DE RUBIK OU GOD'S NUMBER


"Uma pequena volta do Cubo de Rubik no Universo teria me feito ser Laurence Olivier e ele, eu."

Em dado momento do filme que eu assistia ("De agora em diante"), um dos personagens disse isso, melancólico.

Ele representava e interpretava um ator frustrado, que costumava ensaiar seus diálogos para uma plateia inexistente. Para tanto, pagava 300 dólares a quem aceitasse contracenar com ele no cenário que montara em sua casa.

Me pus a pensar o que eu teria sido se essa "pequena volta" do Cubo de Rubik tivesse sido dada quando nasci.

Se eu não fosse o que sou, quem eu gostaria de ter sido?

O Cubo de Rubik ou Cubo Mágico oferece uma quantidade exorbitante de combinações. Talvez por isso, o número procurado foi chamado de “God’s Number” (Número de Deus).

Dentre as pessoas que admiro, invejo uma única pessoa que esteve neste Planeta recentemente. Ela está no topo da minha lista. Gostaria de ter sido quem ela foi.

Por que ela e não eu?

Comentei com meu tio sobre isso. Gosto de conversar com ele. Tio Bernardo, hoje ainda vivo, é um depositário de experiências, histórias e leituras, a quem eu recorro para tentar esclarecer minhas dúvidas.

"Olhe para o céu. Cada uma daquelas estrelas brilha num lugar único", ele me disse. "Há um plano para cada um de nós."

Não me conformei com essa resposta. "Para as estrelas, aceito esse determinismo. Nem pensam nem sentem. Mas eu sou um poço de perguntas sem respostas. Como descobrirei o 'meu plano'?", argumentei.

Quando você crescer resolverá esse problema por si mesma", ele me respondeu.

Claro que esse "crescer" era metafórico, pois eu já tinha 30 anos.

"Quanto mais tempo eu precisaria para 'crescer'?”, me perguntei.

Tivemos essa conversa há cerca de dez anos. Desde então, na tentativa de simplificar minha vida ao máximo, ela transcorreu rotineira e ordenada, mas nem por isso renunciei aos seus prazeres.

Gosto de relaxar tomando um banho longo depois de um dia agitado, ou de beber um Aperol Spritz bem gelado na companhia de caros amigos, ou de me brindar com uma barra de chocolate da Kopenhagen porque venci o “dopo” (leia-se procrastinação).

Estudei, trabalhei, casei, tive filhos.

Até que... a realidade e seus imponderáveis começou a atrapalhar minha vida.

Faz um ano que meu marido comunicou o desejo de nos separarmos. Já tínhamos comemorado bodas de prata. Antes de ser desagradavelmente surpreendida com essa notícia, tudo parecia caminhar nos conformes do plano que me fora destinado.

Hoje, estou divorciada, aposentada, meus filhos moram no exterior, ainda não tenho netos.

Lembrando da pequena volta do Cubo de Rubik no Universo, espero que ela não tenha se completado ainda.

Ponho fé que ainda há muito por vir.

Enquanto isso, vou ao supermercado porque minha geladeira está vazia.

LIC

sábado, 14 de setembro de 2024

MILAGRES EXISTEM?

Esta é uma história baseada num fato real, e o que não é exatamente verdade, ainda assim, está correto.

Renato, se alguém tivesse me perguntado ano passado se eu acreditava em milagres, eu teria dito que "Não, absolutamente não. Sigo o meu caminho e carrego meu fardo sem esperar que 'do alto' me chegue alguma ajuda.

Você sabe, pelo tempo que nos conhecemos, no que acredito. Precisamos de sabedoria e não de religião para distinguir o certo do errado, a verdade da mentira, o bem do mal.

Conrado e eu estávamos caminhando pela av. Paulista, no final da tarde daquela sexta-feira, para um happy hour com amigos, quando ele me confidenciou isto.

Naquele dia, o mal estar - tontura, náusea, turvação visual - que vinha sentindo há três dias parecia ter se agravado.

Chamei um Uber, pois não estava disposto a dirigir. O dia foi longo.

Permaneci desatento, calado, quase inativo a maior parte do tempo. "Quando chegar em casa, procuro socorro", decidira.

Percebi que minha secretária me observava, calada. Ela é sempre muito discreta.

Quando lhe pedi que me trouxesse um copo d'água, dona Olivia prontamente me atendeu.

"O senhor não está bem, não é mesmo, sr. Conrado", ela perguntou afirmando.

Sofrer calado é sofrimento dobrado, Renato. Resolvi aliviar o incômodo compartilhando com dona Olivia o que estava sentindo.

Foi então que ela me convidou para o momento de oração daquela noite na sua igreja.

Eu, instantaneamente, me perguntei: "Mas pra quê?".

"Tem acontecido curas nesses momentos de oração", ela acrescentou, como lendo meus pensamentos.

Pois eu fui, Renato. Por quê fui, não sei. À espera de um "milagre" ou de poder presenciar um.

Participei das orações calado. Escutei atento a pregação ou sermão, não sei bem o nome certo. Recebi a bênção comunitária e, acompanhado de dona Olivia, sai...

"Curado?", eu o interrompi curioso.

Não, do mesmo jeito. 

Dona Olivia me contou que já testemunhara muitas, a sua inclusive, que me contou em detalhes.

Voltei pra casa surpreso, mas ainda cético.

Naquela mesma noite, fui com minha esposa a um pronto-socorro. Diagnosticaram como síncope vasovagal. Recebi medicação e recomendação para procurar um cardiologista ou um vascular.

Bem, a partir desse dia, venho me questionando sobre "curas" e "milagres". Acontecem ou não?

Procurei literatura a respeito, estudei sobre o tema em algumas religiões, pois é um fenômeno base de quase todas elas e suas filosofias. Conversei com guias espirituais, padres, pastores, rabinos, gurus.

"Chegou a alguma certeza ou conclusão?", perguntei sofregamente. Era algo que também me interessava.

Como tínhamos chegado no Bistrô Reserva, e os amigos já estavam lá nos esperando com cerveja e petiscos, interrompemos o assunto.

Ao nos despedirmos, Conrado respondeu sucintamente.

"Hoje, eu creio, ainda sem entender, e tenho procurado olhar pras estrelas mais do que pra tela do meu celular.

LIC

terça-feira, 10 de setembro de 2024

SAN GIOVANNI BATTISTA

Donatella acordou com sinos tocando tão próximos dos seus ouvidos que pensou estar dormindo na sacristia.

Ela estava hospedada numa antiga casa construída ao lado da igreja de San Giovanni Battista, nel comune di San Giovanni d'Asso.

Vinha de lá o badalar que a acordou às seis horas daquela manhã.

Ainda sonolenta, foi procurar um café para despertar. Na cozinha, encontrou il suo ospitante.

“Buongiorno dal Signore, cara Donatella. Andiamo a messa?” Assim o proprietário da casa, Giovanni Pozzone, a cumprimentou. 

Pega de surpresa, Donatella respondeu que sim.

"Ti aspetterò. La messa inizia alle 7.”

No seu quarto, surpresa pelo convite, mais ainda por ter aceitado, Donatella tentou recordar quando tinha sido a última vez que fora a uma missa.

"Foi na missa de Sétimo Dia da minha mãe. Quanto tempo faz isso?” Não lembrava.

Encontrou Giovanni à sua espera sentado no mesmo lugar. Sem pressa. A igreja ficava a dez passos dali, quase como uma extensão da casa.

La pieve di San Giovanni Battista, longe do vilarejo, está voltada para a praça principal da cidade. É uma igreja em terracota, com uma torre de dois sinos, pouco maior do que a estrutura da própria igreja. Simples, austera, com uma única nave, tem obras valiosas preservadas no seu interior. 

Giovanni e Donatella sentaram nos primeiros bancos. Ele, solene, circunspecto. Ela, pouco à vontade, constrangida. Não lembrava de nada mais do que aprendera na catequese.

Participou da celebração atenta aos movimentos de Giovanni, pelo menos para não sentar quando deveria ficar de joelhos. Só rezou na hora do Pai Nosso. “Dessa oração ainda me lembro”.

Acabada a missa, por ainda ser cedo para qualquer distração, sentaram-se no chão de cascalho do jardim da casa, à sombra de uma árvore.  

Uma frase do Evangelho tocara Donatella profundamente. Com certa timidez – eles se conheciam há pouco tempo – ela lhe perguntou o que pensava a respeito.

“Nem sempre encontro entendimento. Somos limitados para as coisas de Deus, Donatella. Sei apenas que tudo fica mais fácil com ele. Eu tenho uma vida abençoada, mesmo assim, quando sinto a escuridão ao apagar a luz do meu quarto à noite, eu me pergunto se isso é tudo. Ele, na sua infinita sabedoria, diz que é o bastante por agora.”

Caterina, sua moglie, li chiamò per la colazione. 

“Nem só de pão viverá o homem”, diz a Bíblia, mas estamos com fome, não é mesmo, Donatella? 

Entraram.

Os sinos da igreja começaram a badalar novamente, anunciando a missa das 9. 

LIC


segunda-feira, 9 de setembro de 2024

BELLA ITALIA - QUINTO ATTO

Lago di Garda, Il Volo, Fino alla prossima volta

Logo cedinho na quinta-feira, 9 de maio, fomos ao Lago di Garda, o maior da Itália, localizado entre as regiões da Lombardia, Vêneto e Trentino-Alto Adige. 

Circundá-lo todinho foi impossível por sua extensão e também pelo pouco tempo que tínhamos naquele dia. Il Volo nos esperava em Verona.

O Lago di Garda se estende por cerca de 370 km². Le sue acque bagnano molte comuni incantevoli! Visitamos Sirmione e foi paixão à primeira vista. Além de Verona, eu certamente escolheria essa cidade para morar.

Em Sirmione, visitamos o imponente Castelo Scaligero, um dos mais bem conservados da Itália.

Ele foi construído sobre um lago pela família Della Scala depois da metade do século XIV. Assim, inteiramente circundado de água, tornava-se ainda mais seguro a possíveis ataques, praticamente impossibilitando a entrada de inimigos.

Nesse mesmo dia, encontramos a Silvia em Lazise, outra encantadora cidade murada, il primo comune d'Italia, à beira do Lago di Garda.

Foi um reencontro maravilhoso. No almoço, estávamos todos: Silvia, a Alessandra, sua filha, Zé Antônio, Arianne, Danilo e eu. In un delizioso ristorante abbiamo assaporato cibo delizioso con diversi bicchieri di vino.

A ocasião merecia! Nós nos despediríamos lá, com muita gratidão pela acolhida amorosa e gentil que recebemos da Silvia e de toda sua família. As experiências e vivências de todos eles, como moradores daquela região, enriqueceram nossa viagem.

Se è la volontà di Dio, voglio rivederli e magari vivere lì. 

Chegamos ao hotel a tempo de nos arrumarmos para o show do Il Volo na Arena de Verona, o antigo anfiteatro romano centrado na Piazza Brà, construído possivelmente entre a segunda e a terceira décadas do século I.

Hoje, é um palco de monumentais produções de ópera que comporta 15.000 espectadores.

Eu e minha família estávamos lá, naquela noite memorável, dia 9 de maio.

Foi uma experiência inigualável, talvez a maior experiência sensorial e emotiva da minha vida.

Durante o show – um espetáculo indescritível de luz, cor e som – apresentado pelos jovens italianos cantores de ópera, os tenores Piero Barone, Ignazio Boschetto e o barítono Gianluca Ginoble, estive em êxtase.

Me parecia estar vivendo um sonho. Vibrando ao som das músicas, olhava para o céu estrelado e agradecia a Deus. Será sempre um momento inesquecível, guardado no mais profundo do meu coração. 

Por noites, sonhei com o show, sentindo as mesmas sensações e emoções.  

Terminada a apresentação, jantamos em uma cantina na Piazza Brà. Caminhando pelas ruas já silenciosas de Verona ao encontro de quem nos levaria ao hotel, me parecia estar vivenciando o filme de Romeu e Julieta, aquele que assisti no Cine República quando eu era uma adolescente.

No dia seguinte, nos despedimos dos amigos de La Caporala, os donos do hotel e a simpática funcionária brasileira, que nos acolheram tão bem.

Già nostalgici, ci siamo diretti verso Modena e San Benedetto del Tronto.

LIC

Fonte: Maria Ana Centrone Santini


sábado, 7 de setembro de 2024

É ASSIM MESMO.

 

Eu guardo a lembrança vívida daquele momento caloroso e agradável.

Está congelado no tempo, tendo se desdobrado silenciosamente em inúmeros episódios ao longo da nossa convivência.

Era o dia do meu aniversário. Eu completava 15 anos.

Antes dos convidados chegarem, meu pai me chamou em seu escritório.

"Senta aqui, Nina."

Estranhei o convite. Meu pai educava falando pouco, atento ao necessário, evitando o supérfluo.

Para mamãe, que gostava de discursar e argumentar, repetia um trecho da carta de Tiago: "Seja o teu sim, sim, e o teu não, não".

Não foi uma longa conversa porque logo a campanhia tocou. Eram os convidados chegando.

Na ânsia de recebê-los, mal escutei a frase que meu pai disse ao me abraçar carinhosamente na despedida. "Nina, a vida é uma permissão de Deus".

Sem ter consciência de seu  significado profundo, por todos esses anos, vivi sem levá-la a sério. Estava lá, no mais escondido de mim porém latente.

Aos poucos, comecei a tomar as rédeas da minha vida, me apropriando do mundo e das pessoas que o foram povoando, agindo de acordo com minhas necessidades e desejos.

Sempre algo fora de mim fazia um movimento para me trazer de volta àquelas palavras.

Tracei a linha das minhas vivências, o campo dos meus afetos, sentimentos e emoções, sem dar conta da sua essência.

Estabeleci planos e metas, colocando pedra sobre pedra no edifício cujo único arquiteto acreditava ser eu mesma.

Ledo engano.

Ao saber que me restam poucos meses de vida, eu a compreendo inteiramente.

Pouco sei de Deus, menos ainda como ele atuou em mim.

Mas não chegamos ou partimos por livre e espontânea vontade nem quando queremos. "A vida é uma permissão de Deus."

Espero ter feito por merecê-la.

LIC

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

BELLA ITALIA - QUARTO ATTO

VERONA, MANTOVA, VENEZA

Achei importante retornar a Verona, Mantova e Veneza para retomar memórias e elos com minha infância e juventude, com filmes e romances e com amizades construídas ao longo do tempo.

Desde que assisti ao filme “Romeu e Julieta” do Franco Zeffirelli, no Cine República, um dos mais prestigiados cinemas de São Paulo na década de 1960, Verona, la bella comune di Montecchi e Capuleti, passou a fazer parte dos meus sonhos.

Apaixonei-me perdidamente pelo ator que interpretava Romeu (Leonard Whiting) e me lembro que foi a Silvia quem me fez desistir de levar pra casa o cartaz com a foto dele que estava na entrada do cinema. Loucuras de adolescente... 

Durante o passeio que fizemos em Verona, tive a sensação de um dejà vu, uma sensação subjetiva e intensa de já ter estado lá. 

Que deslumbramento ao avistar sua suntuosa Arena que domina a Piazza Brà, cercada de inúmeros restaurantes, onde se respira o aroma e a decoração característicos das cantinas italianas.

No dia seguinte, Romeu nos “acompanhou” na estrada para Mantova, onde ele esteve exilado por ordem do príncipe Escalo, após ter assassinado Tebaldo.

Mantova não estava no nosso roteiro, mas foi uma grata surpresa. Visitamos o Palazzo Ducale, o primeiro de muitos que conhecemos rodando pela Itália, um conjunto de edifícios construído entre os séculos XIV e XVII pela nobre família dos Gonzaga.

O Palazzo tem cerca de 500 salas que ocupam uma área de aproximadamente 3.400 metros quadrados. Lindíssimo! Uma verdadeira maratona, cujas maravilhas entorpeciam um pouco o cansaço da extensa caminhada. 

Os Gonzaga viveram lá entre 1328 e 1707, quando a dinastia se extinguiu. Hoje, é um museu caro aos italianos, visitado por estudantes por sua arquitetura, decoração e obras de arte.

Eu tenho uma característica que faz com que, para que eu possa me conectar com o lugar, com o ambiente, necessito de estímulos recebidos pelo tato. Preciso “pegar”, passar a mão, sentir na pele a textura do material desgastado pelo tempo. Quando estive nesse primo palazzo, foi o que fiz, no que era possível: bancos, colunas, nas pilastras, nos prédios, nas muradas.

Em Mantova, passeamos pelas ruelas medievais, pequenos e aconchegantes espaços, com construções tão antigas e preservadas que imaginei ser possível encontrar o “meu” pobre Romeu exilado saindo de alguma delas.

Ainda em Mantova, almoçamos num delicioso e típico restaurante, dirigido por brasileiros que lá residem. Poder conversar na nossa própria língua, falando da nossa Pátria foi também uma alegria e um alento.

O dia seguinte foi todo dedicado a Veneza, un altro incanto do Veneto. Veneza é um conjunto de muitas pequenas ilhas, em uma lagoa do Adriático, que compõem um cenário de beleza indescritível, com um único inconveniente, a incrível quantidade de turistas, um burburinho de gente entrando, saindo, mexendo, fotografando, perguntando e comentando sobre o imensurável patrimônio artístico, arquitetônico, cultural, natural e gastronômico da Bella Italia, que os italianos preservam mais do que a própria vida.

É uma das cidades mais visitadas do mundo e ali, pouco a pouco, fui entendendo o porquê da impaciência, da intolerância e mesmo da falta de consideração que, de maneira geral, os italianos têm com os turistas. Nós somos, in verità, "invasores de propriedade", de suo meraviglioso paese.

Quando voltamos de Murano, uma dessas ilhas, famosa por suas fábricas de vidro, onde se fazem de pequenos enfeites e acessórios a imensos e multicoloridos lustres de cristal, caminhamos pela orla veneziana até a Ponte dei Sospiri, que também povoou meus sonhos juvenis.

A Ponte dos Suspiros é uma das mais de 400 que atravessam os canais de Veneza, ligando uma antiga prisão da Inquisição ao Palácio Ducal, usada para transportar prisioneiros. Segundo uma lenda, eles atravessavam a ponte a caminho de suas celas, suspirando por estarem vendo pela última vez o mundo exterior e suas amadas donzelas.

À noitinha, ci siamo salutati e ci siamo seduti in Piazza San Marco per brindare a questa indimenticabile giornata con un Prosecco. È stato meraviglioso!

LIC

Fonte: Maria Ana Centrone Santini

terça-feira, 3 de setembro de 2024

UM LUGAR PERIGOSO

O passado é um lugar perigoso. 

Naquele sábado modorrento, Elena foi até lá num ato involuntário. "Resolveu” fazer faxina nas gavetas da escrivaninha da sua biblioteca. Sim, não somos donos nem do próprio nariz, porque quem nos comanda é o nosso inconsciente. 

Em uma delas encontrou, entre muitos outros objetos e fotos, a carta do José Maria Carvalho de Albuquerque, um amigo de seu irmão dos tempos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

“Por que eu guardei essa carta?”, se perguntou.

Por alguns anos, José Maria frequentara sua casa. Era recebido na sala de estar e lá ficava.

Nunca foi convidado à mesa de jantar, pois não ganhou intimidade e não dava.

Ele e o irmão de Elena passavam a noite em conversas intermináveis sobre política, economia, jazz, cinema, com eloquência e paixão. 

Certo final de ano, José Maria convidou Elena pra comemorar o Réveillon com seus pais, sua irmã e mais alguns casais amigos. 

"Todos os anos, celebramos o Ano Novo no Jóquei Club", ele explicou. 

Elena ficou entre admirada e deslumbrada.

Admirada porque José Maria nunca se dignara trocar palavras com ela. Deslumbrada porque tinha 19 anos e sempre festejara a chegada do Ano Novo com a família, assistindo a Corrida de São Silvestre e torcendo pra ganhar o bolão que seu tio Jeremias organizava.

Para tanto, bastava um vestido branco e uma calcinha nova da cor correspondente ao desejo a ser alcançado no Ano Novo.

Portanto, não tinha roupa nem sapato adequados para um Réveillon no Jóquei Club, não conhecia as outras pessoas, a não ser ele e, mesmo assim, tão pouco que nem sabia onde morava.

"Claro que você vai aceitar o convite! Eu empresto pra você meu vestido longo, os sapatos de salto alto, arrumo seu cabelo e faço a maquiagem", respondeu Roberta, sua melhor amiga, quando Elena lhe contou sobre o convite. 

Para seus pais, estava tudo bem. "É amigo do seu irmão, pode ir." 

Aceito o convite, José Maria veio buscá-la pontualmente às 8h da noite do dia 31 de dezembro.

"Vamos passar em casa para um aperitivo antes de irmos ao Jóquei", explicou.

José Maria tinha um Porsche azul cobalto. Abriu a porta do carro pra Elena entrar. "Que cavalheiro!", ela pensou. Não estava acostumada a essas gentilezas.

Até então, tivera dois namorados: o Miguel, que nem carro tinha, e o Aluísio, que ainda vivia de mesada.

Elena estava sendo esperada. Foi apresentada, observada, dissecada.

O apartamento era suntuoso. O sofá e as poltronas da sala de estar eram estofados brancos, as cortinas, de seda ouro velho, os lustres de alabastro. Uísque para os homens, Ramazzotti Rosato para as mulheres, pães, blinis, caviar e foie gras. Tudo que Elena já vira saborearem em filmes.

"Lá em casa, aperitivo é tira gosto: cerveja, amendoim e tremoço", lembrou.

Elena não aceitou nada. Não sabia comer nem beber nada daquilo.

José Maria bebeu, comeu, conversou. Estava à vontade, como um animal no seu habitat.

Por fim, foram para o Réveillon no Jóquei Club.

A ceia – salada verde com tomate, azeitonas marinadas e beiju crocante, filet mignon ao molho de cogumelo porcini, arroz com pequi – foi harmonizada com vinhos, inclusive a sobremesa, tuile rendada com calda de chocolate.

Com aquela, era a primeira vez que Elena comia filet mignon. Sua mãe gostava de bife de contrafilé. "Deixa a gordurinha", ela pedia ao açougueiro.

À meia-noite, confete, serpentina, happy new year pra cá, happy new year pra lá, José Maria, com uma taxa de concentração alcoólica alta, beijou Elena diversas vezes na boca.

Elena, que harmonizara tudo com tudo para descontrair, correspondeu na medida da sua também alta taxa de concentração alcoólica.

Quando encontrou a Roberta, só contou que tinha sido beijada, sem detalhes apesar da insistência da amiga em saber mais e mais.

No restante da noite, José Maria agiu como se nada tivesse acontecido. Muito eloquente, com um talento natural para atrair a atenção sobre si, falou de tudo um pouco e, por fim, disse que aquele Ano Novo seria seu ano sabático. “Quero buscar experiências novas, diversas, me dedicar à reflexão e à auto descoberta.”

Elena notou que seus pais e sua irmã escutaram como se ignorassem essa sua decisão.

Voltaram pra casa em silêncio, despedindo-se apenas com um “Obrigada por sua companhia”. A despeito do beijo, não ganharam intimidade.

No dia seguinte, Elena recebeu um buquê de rosas vermelhas acompanhado com a carta que encontrou naquela gaveta.

Passados dois anos, o irmão de Elena lhe contou que os pais e a irmã de José Maria tinham morrido no acidente aéreo do Airbus A330 da Air France.

“José Maria não voltou mais para o Brasil depois daquele ano. Ele mora na França, em Paris. Recebi um convite dele para a inauguração da sua casa de shows. Estranho, ele assinou apenas Maria Albuquerque de Carvalho. Esqueceu o José."

Elena entendeu a razão do convite e dos beijos.

Por fim, rasgou a carta.

LIC