quarta-feira, 21 de agosto de 2024

MARISE

Foi numa tarde de domingo.

Combinamos um encontro depois de passado um bom tempo sem nos vermos.

Ela insistiu pra que eu fosse à sua casa - "minha gruta copânica" - como costuma se referir à kitchenette onde mora há muitos anos.

No hall de entrada, uma surpresa. "Dona Marise mora no 31° andar, do bloco B. O elevador é aquele, à direita", me informou o porteiro.

Pela primeira vez, eu estava entrando no Copan, um prédio icônico que, na sua sinuosidade, abriga 1.160 apartamentos em 32 andares e seis blocos.

Subi sentindo a ponta dos meus dedos formigando. Tenho pavor de altura.

Percorri um longo corredor recortado por portas, muitas portas à esquerda e à direita, até chegar no número 3165.

Me fiz presente, batendo na porta com a coruja de ferro ali instalada. "Ela estava na vila da família da minha mãe, na Bohemia. A coruja era símbolo do brasão da sua família", me contou.

"Que bom revê-la, querida."

No abraço do reencontro, com a cabeça sobre seu ombro, meus olhos foram atraídos por uma imensa parede de vidro.

Através dela, vi um cenário deslumbrante a 115 metros de altura. Senti o quão distante estávamos da terra, do burburinho, da agitação, do vozerio da cidade. 

Sim, é sua gruta, seu abrigo onde ela habita e onde, agora, se refugia para viver um inesperado capítulo da sua história.

Saboreando delícias mineiras, "Assei pra vocês", passeei por seu espaço recheado de recordações, devoções e amor: fotos, relíquias, livros, muitos livros, bilhetes carinhosos pregados aqui e acolá, objetos carregados de memórias.

Por algumas horas, conversamos sobre tudo um pouco.

Até ensaiamos um dueto ao som do seu violão "cheirando a guardado" a pedido da Carolina, nossa netinha. "Quem me ensinou a nadar, quem me ensinou a nadar, foi, foi, marinheiro, foi os peixinhos do mar."

O anoitecer começou. "Ela deve estar cansada, melhor irmos embora", pensei.

Marise insistiu para ficarmos mais um pouco. "Fique até a escuridão total. O espetáculo é deslumbrante."

Lâmpadas e mais lâmpadas - nossos pirilampos urbanos - foram se acendendo, iluminando, pouco a pouco, o cenário que víamos por aquela imensa parede de vidro.

"Me faz lembrar o Manto da Apresentação, bordado pelo Bispo do Rosário", Marise comentou maravilhada. "Ele disse que é o inventário do mundo. Irá vesti-lo no Dia do Juízo Final."

Sim, aos nossos pés estava São Paulo, um pequeno inventário do mundo.

LIC

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