quinta-feira, 11 de julho de 2024

"NO PARAÍSO, TUDO SE RESOLVERÁ."

Como em todas as manhãs, Murilo foi caminhar no parque. "Pelo menos, meia hora todo dia, para abaixar o colesterol", recomendou o cardiologista.

Esperando o semáforo abrir, o relógio digital de rua capturou sua atenção ao mostrar a temperatura: 14 °C.

O que veio a seguir também: "A vida é feita de grandes momentos e dos outros também".

Essa frase o impressionou e acompanhou Murilo durante toda a caminhada.

"Grandes momentos, tive muitos." 

Nos primeiros 1.000 metros, relembrou o grande momento que marcou sua vida desde o início.

"A morte do meu pai, de tifo, em 1929. Eu tinha 8 anos. Mamãe ficou sem eira nem beira com sete filhos. Viemos para São Paulo à procura de trabalho. Minhas três irmãs e mamãe, todas mal letradas, só sabiam costurar. Foi o que fizeram. Costuraram fardas e mais fardas para os jovens que participaram da Revolução de 1932. Tempos difíceis."

"Eu e meus três irmãos mais velhos íamos no final das feiras livres recolher verduras, frutas e legumes que ainda podiam ser aproveitados. O dinheiro era pouco, bem pouco. Tempos difíceis."

Nos 1.000 metros seguintes, nova lembrança, outro grande momento. “Em 1939, eu tinha 18 anos quando explodiu a II Grande Guerra. Morávamos em um dos cortiços do Brás. A escassez de alimentos aumentou, no mundo todo. A insanidade também. Ao fim dessa guerra, 60 milhões de pessoas tinham morrido. Tempos difíceis."

Quatro quilômetros de caminhada e Murilo lembrou de um momento espantoso, grande também. Bombas atômicas foram jogadas em Hiroshima e Nagasaki para acabar de vez com a Guerra. A destruição dessas cidades foi instantânea. “Eu tinha 24 anos. Pensei que o Fim dos Tempos tinha chegado. Que má sorte! Eu e a Suzana estavamos pensando em casar. Tempos difíceis."

O Fim dos Tempos não chegou, mas estava à espreita. Os Estados Unidos e a União Soviética começaram a Guerra Fria, sem bombas, mas com muitas ameaças de uma guerra nuclear. “O mundo viveu sob essa ameaça por 46 anos. Terminaram de brigar só em 1991. Eu estava casado com a Suzana, tínhamos três filhos, dois netos, o dinheiro continuava pouco. Tempos difíceis."

"Foi então que o preço do petróleo aumentou 400%, desestabilizando a economia mundial. Depois tivemos ditadura militar, dívida externa, tivemos hiperinflação, etc. etc. etc. Tempos difíceis."

Sem perceber, caminhara por mais de uma hora. 

"Por hoje, basta. Se o Fim dos Tempos não chegou naqueles tempos, não vai ser agora."

Murilo morreu antes de conhecer o Putin e o Kim Jong-Un.

LIC

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