segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

UMA IMAGEM

Sempre que penso ter perdido aquela pessoa que eu amo, trago à memória uma imagem, começo com essa imagem, tão-somente essa imagem.

No início do ano, por 35 dias, estive fora do país a trabalho.

Quando regressei, fui visitá-lo na tarde do dia seguinte.

Antes da viagem, eu notara que seu andar estava mais lento e arrastado. A doença progredira a um estágio crônico, deixando-o cansado e frágil.

Mas nunca o vi soltar ais e gemer ou se lamentar. O longo caminho de erros, experiências e sofrimentos o levou ao conhecimento da aceitação.

Foi se adaptando à nova realidade na calmaria, mesmo quando impossibilitado de dirigir, o que ainda lhe dava um pouco de autonomia.

Com o desamparo da velhice – já vivera 89 anos -, sentiu que precisava do outro, o que aceitou com mansidão. A Dira, antes faxineira, passou a mensalista e, conforme a necessidade, eu abastecia sua despensa, o acompanhava nas consultas médicas, comprava os remédios.

A campainha tocou, mas ele demorou para abrir a porta.

Ao me ver, nem tive tempo de abraçá-lo. Ele se abraçou em mim. “Que bom você estar aqui de novo!”, exclamou aliviado.

Senti que a vulnerabilidade do seu estado, ao procurar um ponto de ancoragem, me escolhera como porto seguro.

Me assustei, imaginando o que isso causaria na minha rotina pessoal e profissional.

Um pensamento imediato emergiu com a expressão que ouvia dele desde criança. “Faça o teu dever, suceda o que suceder.”

Eu sabia o que devia fazer, mesmo não sabendo o que iria acontecer.

Nos meses seguintes, cancelei todos os compromissos no exterior. Estive mais presente ao seu dia a dia, não só nas urgências, porém ainda atado aos aspectos passageiros da vida.

Este não é um tempo para velhos.

Papai morreu no fim do ano, sem medo, mesmo não sabendo o que o amanhã lhe traria, numa entrega consciente diante dessa inevitável interrupção dos propósitos humanos.

Desejei-lhe um pouso seguro! Que assim tenha sido!

Aquele abraço é a imagem que tenho o tempo todo no meu coração.

Então, eu o encontro de novo e lhe peço perdão!

LIC

Um comentário:

  1. Sempre achamos que não fizemos o suficiente por quem nos dedicou a vida enquanto éramos as suas crianças. Me cobrei muitas vezes, mas hoje entendo que fiz o meu melhor dentro daquilo que entendia e conhecia e sei também que eles deram seu cem por cento, dentro de suas limitações. Somos seres incompletos, mas isso não nos impede de acreditar Naquele que nos completa. Não há mais cobranças em mim. Nem dentro, nem fora de mim. Só há gratidão.

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