terça-feira, 22 de abril de 2025

SÉ VACANTE

Quando leu a mensagem, sentiu o tempo parar. Suspensa por segundos, imóvel, a Terra se deteve, perdeu movimento, se precipitou no infinito.

“Francesco è morto”, era a breve mensagem que a amiga lhe enviara de Milão, às 8h da manhã daquele 21 de abril.

Pouco a pouco, ao sair daquele momento de estupor, quis saber mais. A morte é um tema que provoca assombro, temor, repulsa, mas desperta curiosidade.

Foi confirmar a veracidade da informação. Uma enxurrada de notícias já circulava pela internet. Soube que o Papa morrera às 7h35 pelo horário de Roma, que haveria nove dias de luto, que o enterro aconteceria entre o quarto e o sexto dia após a morte, que já estavam sendo preparadas as cerimônias fúnebres, de 15 a 20 dias após o “trono vazio” aconteceria o Conclave.

E que, por fim, a fumaça branca, subindo da chaminé da Capela Sistina, sinalizaria a eleição do novo Bispo de Roma.

Ao lembrar a frase que, na França, se proclamava o novo monarca, sentiu que logo se esqueceria Francisco. “Il Papa è morto, viva il Papa." Da sacada da Basílica de São Pedro, ecoaria pela praça o “Annuntio vobis gaudium magnum; Habemus Papam”.

Somos ingratos! E nesse somos ela se colocou também, com tristeza e confissão, recordando o enterro de seu pai. Um homem pode ser bom filho, bom pai, trabalhador, honesto, doar para a caridade, mas o número de pessoas no seu funeral geralmente dependerá do clima.

Certamente, isso não aconteceria nas exéquias de Francisco, uma cerimônia repleta de tradições, simbolismos e protocolos. Ele não é um simples mortal. Apesar de ter morrido como um simples mortal “pois és pó e ao pó voltarás", concluiu.

Aparecemos e desaparecemos, disse a si mesma. Deus nos leva pelo rio da vida tão depressa quanto o sono, como a erva que nasce pela madrugada, germina e brota pela manhã, mas à tarde murcha e seca, recitou em silêncio o verso de um Salmo que tinha como mantra. Ninguém sabe o fim da sua história.

Envolvida por um profundo sentimento de luto, esqueceu que a Terra não tinha parado de girar em torno de si mesma e do sol.

Quando escutou as onze badaladas do relógio cuco, despertou. Desligou a televisão, o notebook, o celular e mergulhou na trivialidade da vida, nos fatos nada extraordinários.

A vida continua e os leões estão soltos na arena, disse, encostando a barriga na pia para lavar a louça do jantar, não sem antes comer inteirinho o coelho de chocolate que sua filha lhe dera no dia anterior.

Tomás de Aquino disse que o primeiro remédio eficaz contra a tristeza é qualquer prazer. O momento da morte é incerto mesmo, se justificou.

LIC


2 comentários:

  1. Belíssima crônica algo p se sentir e pensar...

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  2. Pura realidade... por mais ilustre que seja o falecido, o número de pessoas no seu funeral dependerá do clima e do horário. A vida continua. Bela crônica !

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