segunda-feira, 3 de março de 2025

JUSTIFICANDO

Todos os anos, no final das férias de verão, a ladainha era a mesma.

“Você não fica com vergonha dos seus filhos voltarem para casa com saudade da comida da empregada”?

Pois eu não ficava e fazia coro com eles, sem vergonha. “Dona Vera, que saudade do seu arroz e feijão!”

Na casa dos meus pais, era minha mãe que cozinhava, desde sempre e foi para todo o sempre.

Em meia hora, o almoço estava pronto; quarenta minutos no máximo às quintas-feiras, quando era dia de macarrão ao alho e óleo, bife à milanesa e salada de brócolis.

Não que ela gostasse de cozinhar. Não gostava. Ela amava costurar.

Mas foi uma das obrigações que, presumida e assumidamente, se aceitava com o casamento naqueles tempos.

Nem sei se isso já tinha mudado no meu tempo ou se mudou nestes tempos de agora.

O que aconteceu foi que minha sogra – que seu pouso eterno tenha sido seguro – me deu de “presente” uma auxiliar do lar. E eu escolhi, dentre muitas candidatas, a que aceitou a única exigência: saber cozinhar.

A razão, motivo, justificativa, desculpa era eu trabalhar das 8h às 14h.

A verdade é que eu não sabia cozinhar e não herdei o consentimento da minha mãe sobre esse item do contrato.

Até tive boa vontade e tentei seguindo o passo a passo do “Cozinhando com Ofélia”. Mas meu primeiro jantar feito à mão foi cenário de um pesadelo na cozinha.

Foi então que a Covid-19 chegou. E a humanidade, eu inclusive, foi obrigada a trabalhar intensamente na mudança de hábitos, costumes e atitudes.

Dona Vera, por opção dela, e com minha aceitação incondicional, parou de trabalhar aqui em casa.

Sem ela, o processo de adaptação foi penoso, tem sido intenso, e dura até hoje. Mas não desperdicei oportunidades de transformação.

Já sei fazer arroz “soltinho”. O segredo é não mexer durante o cozimento porque pode liberar amido extra, deixando o arroz pegajoso.

Sei cozinhar feijão e engrossar o caldo. É só separar uma pequena porção dos grãos cozidos, amassá-los para liberarem amido, devolver na panela, deixar cozinhar por mais alguns minutos, sem tampa.

Apesar de tanto tempo passado desde a Pandemia, é só por enquanto. Pareço a humanidade que, desde então, tem trabalhado tão pouco para se transformar.

Apesar disso, se continuo não gostando de cozinhar, tenho analisado seriamente com o terapeuta minha resistência profunda a essa ocupação que, dizem, é uma arte que requer criatividade e imaginação.

Minha mãe não gostava de cozinhar, mas usava sua criatividade e imaginação costurando.

Prefiro usá-las escrevendo. Como Mário de Andrade, “escrevo sem pensar, tudo o que meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi”.

Foi o que fiz até este ponto final.

P.S.: Hoje, eu aprendi, e fiz, jiló refogado sem o gosto amargo. Oh glória! 

LIC