quarta-feira, 15 de julho de 2015

NAS ÁGUAS DE MARÇO

   

Chovia muito. Águas de março fechando o verão. As ruas estavam alagadas e a enxurrada que transbordava das margens da rua Vergueiro impedia qualquer tentativa de travessia.

Eram seis e meia da tarde. Uma multidão de paulistanos àquela hora voltava para casa. Era essa também a minha intenção. Parado na frente da entrada principal do Centro Cultural São Paulo, eu estava na calçada errada, pois o ponto do meu ônibus ficava no lado contrário. Segurava a bengala com uma das mãos, o guarda-chuva com a outra e esperava alguém disposto a me acompanhar na empreitada.

Depois de quase uma hora aguardando um braço solidário, senti que os que passavam por mim, antes ocupados em se salvar do dilúvio, nem se davam conta da minha necessidade.

Com a impaciência domesticada por 30 anos de cegueira, me dispus a esperar a chuva pelo menos amenizar para ter a ajuda de um sobrevivente. Foi quando ouvi alguém me perguntar:

- Quantos quilos o senhor pesa?
   Pergunta estranha para aquele momento e lugar... Mas respondi.

- Uns sessenta quilos.

No minuto imediato, me vi erguido do chão por braços vigorosos. E, sem que eu tivesse tempo para uma recusa ou qualquer reação de protesto, fui levado até o outro lado da rua... no colo.

Cheguei em casa com a roupa encharcada, mas com os sapatos secos.

LIC, jul. 2015

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