Foi em julho deste ano. Para comemorar meu aniversário, planejei uma viagem solo à Itália. Com acesso fácil a mares, a parte sul do “país da bota” era o lugar ideal. Banhada pelo Adriático, o Jônico e o Tirreno, o verão fica suave por lá. Meu plano era explorar a Costa Amalfitana.
Com tudo planejado até o último detalhe, embarquei para Roma, ponto de partida para a conexão ao aeroporto Capodichino, em Nápoles, a primeira parada do roteiro. As forças que favorecem os metódicos, focados e previdentes também favoreceriam minha estadia em Nápoles, uma cidade com a péssima reputação de ser uma das menos seguras da Itália. Já estivera por lá anos atrás, sabia disso, e o ChatGPT confirmou esse cenário.
Sim, recorri à inteligência artificial para estar a salvo de perigos e intempéries com zero probabilidades de ocorrências nefastas. Baixei o aplicativo de fonte confiável que me garantiu respostas com informações sobre clima e segurança claras, pontuais, assertivas sem delongas.
Ao religar meu celular assim que aterrissamos, recebi de Enzo Santoro, o motorista que eu contratara, a confirmação da corrida à Residenza Neri, em Posillipo.
O ChatGTP comentara sobre o trânsito caótico de Nápoles, mas ficou muito longe da realidade dos motoristas napolitanos. Eles são “loucos”, ousados, imprudentes, indisciplinados. Circulam pelas ruas, mesmo as mais estreitas, em alta velocidade.
Enzo, um jovem napolitano, seguia o padrão. Por 15 km, dirigiu como se estivesse testando uma Ferrari em pista de corrida. Minha imaginação, por natureza ilimitada, começou a funcionar imediatamente: invalidez permanente ou morte imediata após um acidente de capotamento.
Grazie a Dio, chegamos ilesos ao hotel. Ainda atarantado, praguejei contra a inteligência limitada do ChatGPT quanto a eventos aleatórios, eventuais, fortuitos.
Registrei minha chegada, recebi a chave do quarto e dispensei o jantar. Precisava apenas de um banho e o alívio de uma cama. Amanhecia quando comecei a dormir. Acordei para o almoço, com o estômago roncando.
O dia estava quente e úmido. Na necessidade de sentir que caminhava sobre solo firme num bairro seguro, saí para caminhar. Posillipo é uma área residencial nobre, tranquila, acima do caótico centro histórico napolitano.
Mas fui surpreendido pela velocidade mais uma vez.
– Attenzione!
Ao tentar atravessar a rua, quase fui atropelado por uma Vespa. Pulei para a calçada e me encostei no muro da residência mais próxima. Ao desviar de mim, a moto colidiu com o carro da frente e o motociclista foi arremessado para longe. Ouvi o barulho metálico do choque.
O trânsito parou e muitas pessoas acorreram ao local. Também me aproximei e reconheci o jovem napolitano que me trouxera do aeroporto. “È morto!”, diziam. Não esperei para ver confirmada a sentença.
À noite, peguei o trem na estação central de Nápoles para seguir viagem.
Muitas vezes ouvi céticos usarem a palavra “improvável”, mas aprendi que muito do que consideramos impossível acontece todo dia. Nem a realidade nem o ChatGPT dão conta do inesperado.
LIC